São Gonçalo, 16 de novembro de 2043
Num novembro auspicioso, acompanhei a Vovó Ludi, na primeira das visitas à Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Campus de São Gonçalo.
Recebera da Sueli o convite para a visita. A Sueli que havia participado no mesmo grupo de trabalho que, em 2014, a pedido do ministro Renato Janine, inventariou 178 escolas com potencial de inovação.
Já tinha ouvido falar de gente que, na UERJ, buscava novos caminhos para os descaminhos em que a Educação, nesse tempo, se perdera. Mas, o que sucedeu no encontro de 15 de novembro de há vinte anos excedeu a minha expectativa. Estava perante professores e alunos decididos a interpelar práticas ancestrais e a rever processos e metodologias de formação de professores.
Deixei-os com um convite. Melhor dizendo, dois convites. O primeiro: que se estabelecesse um diálogo, no qual a equipe de educação humanizada, em que me incluía, pudesse auscultar necessidades, saber quais as necessidades por detrás das necessidades, desenvolver teoria e aplicar “soluções”. O segundo: que se criasse uma turma-piloto, gérmen de uma escola de aplicação de… “soluções”.
Recordo com ternura o início desse encontro, a passagem do enfileiramento para a disposição das cadeiras em círculo. Com ternura, porque a inusitada situação me fez lembrar tempos idos.
A disposição do mobiliário era de somenos importância. Já havia observado boas práticas (de transição) em salas de aula onde se praticava o enfileiramento. Por outro lado, assistira a arremedos paliativos, em “espaços de aprendizagem” (como indevidamente lhes chamavam), com as mesas dispostas em círculo e semicírculo.
No início dos anos setenta, enquanto professor do turno da tarde, com os meus alunos, eu cumpria o ritual da passagem do sentar enfileirado para o sentar em círculo.
Não tardou a reprimenda da colega mais antiga, que, por ser a mais antiga, detinha prioridade na escolha de turno:
“Senhor Professor, deixe ficar as carteiras na posição normal!”
Assim mesmo: a mensagem escrita no quadro era imperativa. Com respeito pela “antiguidade”, por baixo da ordem dada, deixei esta pergunta:
“Colega, diga-me qual é a “posição normal.”
Na reunião do Conselho Escolar seguinte, o ambiente era de “cortar à faca”. Passei a constituir um incómodo para aquelas professoras, eu era “persona non grata”. Sofri um ano inteiro de insinuações, injustas acusações e outras “violências simbólicas”. Aquele foi o primeiro impacto com uma cultura de escola passadista, com um submundo feito de ignorante arrogância.
Sofri o segundo impacto, quando, numa escola dos cafundós de Portugal, uma professora propagou um boato e eu quase fui assassinado. Compreendi que o maior aliado de um professor é outro professor. Mas, também, que o maior inimigo de um professor que ousa questionar é outro professor.
Sofri o terceiro impacto, quando fui trabalhar numa instituição de formação inicial de professores. Recebi um presente envenenado. Logo à chegada, entregaram-me umas folhas contendo os nomes dos alunos com quem iria interagir. Perguntei para que serviam aquelas folhas. Responderam que eram registos de presenças, que os alunos deveriam assinar à entrada e à saída de cada aula. Perguntei:
“Aqui, ainda se “dá aula”? Esta não é uma “escola superior” de formação de professores? No projeto desta escola está escrito que se pretende formar professores autónomos, responsáveis. Como se desenvolverá autonomia numa sala de aula? Como se desenvolve nos futuros professores a responsabilidade, se eles são sistematicamente controlados?”
Por: José Pacheco
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