Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCDXXI)

Mendes, 17 de novembro de 2043

Sempre que alguém a mim se dirigia, pedindo ajuda, eu indicava um rumo. Aos professores, o rumo da assunção de um compromisso ético. Aos pais, um outro rumo – o da escola mais próxima:

“Faça a matrícula do seu filho. Leia o projeto da escola e procure um professor que ainda esteja vivo. Ajude-o. Cuide do seu filho… e do professor.”

Os professores são como os melões. Só os conhecendo por dentro se pode avaliar da sua qualidade. Quando nos deixamos conduzir pela aparência, a surpresa pode ser bem desagradável. Quebrado o verniz da casca, uns revelam-se maduros, outros verdes, outros… quase podres.

Estava cogitando sobre essa matéria, quando a Esperança me telefonou, para me doar mais um pouco de esperança. O amigo António dizia que ela era a última morrer e eu retorqui que a esperança nunca morreria. Felizmente, para as crianças e para os apreciadores de melões, nesse tempo, abundavam esperançosos frutos maduros. 

A Esperança era educadora. Fazia um belo par com outro educador (ledos infantes que a quem tais educadores cabem em sorte!). Como não é por acaso que há acasos, as palavras da Esperança chegaram no momento exato de dever esquecer criaturas que, de tão amargas, não deveriam usar o nome “professor”.

A palavra “professor” só se ajustava na perfeição à Esperança e a muitos outros que, assumindo um compromisso ético,  honravam a sua nobre profissão. 

Eram educadores como a Esperança e o Paulo os coautores de uma reforma marginal, silenciosa, que ia acontecendo um pouco por toda a parte, avessa às modas, impercetível, pródiga em profissionais que antecipavam o tempo profetizado por Tolstoi, há quase dois séculos: 

“A Escola deixará de ser talvez tal como nós a compreendemos, com estrados, bancos, carteiras: será talvez um teatro, uma biblioteca, um museu, uma conversa”. 

À medida que se aproximava o termo da minha carreira de professor, sentia-me irmanado com os que recusavam aprender a geografia dos comboios para viver na era dos aviões e aceitavam o desafio de repensar a Escola, tarefa sempre coletiva. 

Sentia-me parte de uma fraternidade, agindo à revelia da bricolage normativa. A pedra de toque da suave mutação era a solidariedade manifesta nos encontros anuais dos Românticos Conspiradores. O 12º ENARC (Encontro Nacional) aconteceu na Mendes da minha amiga Maria Paula, nos idos de novembro de vinte e três. O Mauro e a Valéria assumiram a componente organizativa. A equipe da secretaria de educação, brilhantemente, acolheu os RC. 

Catorze anos decorridos sobre o primeiro dos encontros, estavam presentes o Guga e eu. Sobre as cinzas de dezenas de projetos, uma nova e ágil geração despontava. Mas, quem eram os RC?

No início do século, publiquei um artigo no suplemento Sinapse do jornal Folha de São Paulo. A certo passo, escrevi:

“É preciso afirmar que há, no Brasil, muitos professores que dão sentido às suas vidas, dando sentido à vida das crianças e das escolas. Sinto-me um privilegiado por, após três décadas de trabalho numa escola que ousou provar que a utopia era realizável, encontrar no Brasil tanta generosidade e responsável ousadia”. Esse artigo foi pretexto para alguns encontros de educadores das escolas “invisíveis”, como eu lhes chamava. 

O movimento Românticos Conspiradores constituiu-se a partir de uma rede colaborativa, formada por pessoas que buscavam a transformação da educação pública. A finalidade era a de promover a comunicação e o apoio mútuo entre pessoas, organizações e projetos, que tivessem por objetivo contribuir para a superação de arcaicos paradigmas educacionais.

 

Por: José Pachceo

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