Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCDLVII)

Caçapava do Sul, 23 de dezembro de 2043

Ontem falei-vos de autonomia. E a cartinha terminava com um exemplo da prática da solidariedade. Dela vos falarei na de hoje, expressa nas palavras do Mestre Morin: 

“Sejamos irmãos porque estamos perdidos num pequeno planeta dos arredores de um sol suburbano de uma galáxia periférica de um mundo privado de centro.”

Reflitamos sobre uma dura realidade: a quantidade de suicídios verificados neste nosso conturbado mundo equivale ao dobro do conjunto de mortos por guerra e fome. Quem se interroga sobre as causas de ambas as tragédias? Quem  reflete sobre a ausência de uma ética apoiada na bondade e no apoio mútuo? 

Naquela idade em que começamos a sentir a necessidade de dar sentido à vida, é preciso que aconteça um feliz encontro com seres que ensinam que a verdadeira vida é um fraterno encontro.

Em direto, a televisão transmitia um atropelamento, numa rua de São Paulo: um corpo no meio da rua e condutores desviando as suas viaturas daquele obstáculo, alguns quase esmagando a inerte vítima do acidente. Na calçada, transeuntes alheios ao drama. Até ao momento em que um deles faz sinal aos carros para que parem, vai até junto do corpo e pede para chamar uma ambulância. 

Interrogo-me: Este “sofrware” humano será o único, ou poderemos aspirar a algo diferente? Quero crer na possibilidade de uma sociedade mais fraterna. E escuto o Mestre Morin que nos fala da necessidade de uma metamorfose, de uma reforma moral, lograda através de profundas mudanças no modo de educar e numa economia ecológica e solidária. 

Ele diz-nos que solidariedade é a palavra que pode modificar positivamente o futuro da humanidade. Curiosamente, Morin considera que o país com maiores posssibilidades de liderar essa metamorfose solidária é o… Brasil. 

Quando se substituirá um “ou” solitário pela coordenação do “e”, para que não haja moradores dos jardins versus zona leste, mas apenas brasileiros unidos numa tarefa comum? Compartilhe-se a fome e a abundância, a tristeza e a alegria, a saúde e a doença. 

No final da década de oitenta, o presidente da assembleia da escola era um mocinho muito autocentrado. Nas reuniões, ele somente dava a palavra aos amigos e não assumia responsabilidade coletiva, em situações que justificavam essa atitude. 

Foi criticado por muitos dos alunos que o elegeram. Reagiu, dizendo que se demitiria. Então, as crianças tomaram uma decisão surpreendente: decidiram que o presidente deveria continuar no cargo. Mas que a condução das reuniões deveria ser participada pelos restantes membros da mesa da assembleia, de modo a ajudar o presidente a aprender a respeitar os outros e a respeitar-se.

Ao longo daquele ano letivo, o presidente, que não foi demitido, viveu múltiplas situações de ajuda mútua. No final da última assembleia daquele ano, deitou discurso, agradecendo aos colegas a oportunidade de ter aprendido a ser solidário. 

Em linguagem de gente jovem, disse, mais ou menos, isto: Que não se importava de não ser o primeiro, para que todos pudessem ser os primeiros. 

Dizia o mestre Pestalozzi que a educação moral não deve ser trazida de fora para dentro da criança, mas deve ser uma consequência natural de uma vivência moral. A compreensão e a aceitação do outro resultam de uma aprendizagem da verdade, na arte de conviver. Desde tenra idade, a solidariedade na solidariedade se aprende. 

Um menino sentou-se no colo de um idoso, que chorava a morte da sua esposa. O idoso susteve o choro e sorriu. Quando a mãe da criança lhe perguntou o que tinha dito ao velhinho, a criança respondeu: “Nada. Só o ajudei a chorar.”

 

Por: José Pacheco

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