Foz do Iguaçu, 2 de janeiro de 2044
À entrada de mais um ano pleno de oportunidades, me recordei de um poema-canção de Brell, que, nos idos de sessenta, foi para o vosso avô um “guia”. Vos dou a conhecer alguns versos do “Sonho Impossível” de Brell, tradução livre brasileira de “La Quête”:
‘Sonhar um sonho impossível
enfrentar o inimigo invencível
abraçar a angústia insuportável
pisar onde os bravos não ousam.
Reparar o mal irreparável
amar um casto amor à distância
tentar quando as forças se esvaem
alcançar a estrela inatingível
essa é a minha busca, a busca daquela estrela
não importa o desespero, o quão longe
lutar pelo que é justo
sem perguntar ou questionar
estar disposto ao inferno por uma causa celestial’.
Se tiverdes acesso à velhinha Internet, talvez ainda encontreis o canto destes versos neste vídeo: https://music.youtube.com/watch?v=g1Gf3LogQBE
Em 1922 quando visitava o Japão numa turnê de conferências, Einstein ficou hospedado no Hotel Imperial em Tóquio. Quando foi dar uma gorjeta ao carregador de malas, entregou-lhe duas notas escritas à mão, explicando como alcançar a felicidade. Em 2017, essas notas foram vendidas em leilão por mais de um milhão de dólares. Elas continham as seguintes frases:
“Uma vida simples e tranquila traz mais alegria que a busca pelo sucesso em uma inquietação constante. Onde há um desejo, há um caminho”.
Os caminhos percorridos por Einstein foram fruto do desejo, de ilimitada curiosidade, do ímpeto do questionamento. Nas afirmações de Einsteirn havia interogações. Tal como João dos Santos, o criador da Casa da Praia, que escrevera um livro, na década de 1970, que tinha por título: “Se não sabe, por que é que pergunta?”. Uma pergunta contém muito mais do que uma interrogação, traz com ela muita informação.
Mais do que um anfitrião na sua terra, o Zé Elias era um amigo dedicado e cumulava de gentileza quem o visitasse. Mostrou-nos uma escola que, vinte anos antes, eu visitara e que a Ana, com mestria, dirigia. Expandira-se, se modernizara, apenas faltava “um golpe de asa”.
Daí que, quando o Zé manifestou vontade de “investir” numa nova escola, dirigi-lhe um convite e algumas perguntas. Era o meu “maeutico” modo de fazer pensar, suscitar novas ideias e o surgimento de novas práticas.
Nos idos de setenta, muitos companheiros de profissão me invetivavam, só porque eu havia descoberto que os professores tinham mais certezas do que interrogações.
“Você tem a mania de fazer perguntas!” – diziam.
Nonagenário, continuo tão questionador quanto o é uma criança. Quando jovem professor, elaborei um roteiro de estudo, para reelaborar a minha cultura profissional, algo como um “decálogo”:
“Por que se aprende? O que se deve aprender? Quem aprende? Quem ajuda a aprender? Quando aprendo? Com quem aprendo? De que preciso para aprender? Onde poderei aprender? Como aprendo? Como sei que aprendi e o que aprendi?”
São de Carlos Castañeda estas palavras:
“Olhe, em cada caminho, com cuidado e atenção.
Então, faça a si mesmo uma pergunta: possui este caminho um coração?
Em caso afirmativo, o caminho é bom. Caso contrário, esse caminho não possui nenhum significado.”
Estávamos no dealbar de 2024. O sistema (dito) educativo era um “caminho sem coração”, e deseducava. O sistema de ensinagem era um “caminho sem significado”, e que não ensinava. Numa construção social de aprendizagem concebida entre os século XVII e XIX, quase nada de essencial se aprendia.
Os meus companheiros das ciências da educação, teoricamente, isso sabiam, bem melhor do que eu. E os interpelava:
A que se deve o vosso obsceno silêncio?
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