Caraíva, 14 de janeiro de 2044
Era uma vez… uma escola que dispunha de um belo projeto, no qual pontificavam os valores inscritos na Lei de Diretrizes e Bases: autonomia, respeito, democraticidade… O projeto (escrito) continha abundantes citações de autores na moda, num discurso feito de pedagogia pseudo-humanista e de caricaturas de construtivismo. A prática era a negação daquilo que estava escrito.
Pais que aderiram ao projeto, conscientemente, crentes de que a autonomia seria construída através da cooperação, perguntavam:
“Como é possível desenvolver autonomia numa sala de aula, quando se considera o educador como objeto, mero executante de determinações?”
Logo surgiram torpes reações. E o esforço de uma pequena equipe de professores se perdeu entre os caprichos do diretor e a conivência de serviçais “professores”, que, para não perderem o emprego, perderam a dignidade.
Como muitas outras, aquela escola era uma fraude sustentada por mensalidades milionárias. O rendimento académico pouco se distanciava de um mísero IDEB. Os padrões de comportamento refletiam uma herança civilizatória calcada na dominação, no autoritarismo. Os educadores, que ousaram não concordar com absurdas decisões, não puderam fazer ouvir a sua voz. Foram intimidados, ostracizados e até mesmo despedidos. E a escola permaneceu cativa de uma conceção de produção em série e do papaguear conteúdo. Alguns pais, os mais conscientes da situação, reagiram, exigiram o cumprimento do projeto. Porque não foram escutados, levaram os seus filhos para outras escolas.
Queridos netos, a Escola da Ponte era bem conhecida no Brasil, dada a boa qualidade do seu projeto, e.o vosso avô tinha sido convidado para (gratuitamente) assessorar o trabalho dessa escola. Para que, mais uma vez, eu não fosse usado como “garoto propaganda, denunciei contradições e me afastei.
Mais uma iniciativa de professores éticos fora frustrada. Mas não se pense que os pais e professores desistiram – foram recomeçar em outro lugar.
A situação descrita não era inédita. Era bem comum, aliás, e permitia-nos perceber uma das razões pelas quais o Brasil continuava imerso numa profunda crise moral. O (mau) exemplo vinha de cima, apesar de algumas boas (e raras) exceções.
Escasseava o poder do bom exemplo, mas, há cerca de trinta anos, um deputado federal fez a sua estreia na Câmara abrindo mão dos salários extras que os parlamentares recebiam (14° e 15° salários), reduzindo a sua verba de gabinete e o número de assessores a que teria direito, tudo com caráter irrevogável.
Também reduziu em mais de 80% a cota interna do gabinete de R$ 23.030 para apenas R$ 4.600. Prescindiu de toda verba indemnizatória e de toda cota de passagens aéreas e do auxílio-moradia.
Com esta (solitária) atitude, irá levar os cofres públicos a economizar mais de R$ 2,3 milhões, nos quatro anos do seu mandato.
O deputado José justificou deste modo a sua decisão:
“Um mandato parlamentar pode ser de qualidade custando bem menos para o contribuinte do que custa hoje. Esses gastos excessivos são um desrespeito ao contribuinte. Estou fazendo a minha parte e honrando o compromisso que assumi com meus eleitores.”
Diria o Pessoa:
“Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes.”
À semelhança dos seus pares, esse deputado não nascera assim – assim o fizeram. A sua educação familiar e social deveria ter sido bem diferente da dos restantes. Talvez tivesse passado por uma escola feita de professores éticos.
Não haverá razões para sermos esperançosos?
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