Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MCDLXXX

Porto Seguro, 15 de janeiro de 2043

No início do século XIX, Pestalozzi enviava a um amigo uma carta, justificando a sua permanência em Stans:

Amigo! 

Acordo novamente do meu sonho, vejo novamente minha obra aniquilada e minhas forças em declínio, empregadas em vão. Mas, por fraca e infeliz que tenha sido minhas experiência, fará bem a qualquer coração, amigo da humanidade, demorar-se nela alguns instantes e refletir sobre os motivos que me convencem de que uma feliz posteridade amarrará de novo os fios dos meus desejos, bem no ponto onde os tive de deixar.

Desde o início, vi toda a Revolução como uma mera conseqüência do desleixo para com a natureza humana e considerei a sua degeneração como necessidade inevitável para levar de volta os homens embrutecidos à reflexão de suas questões essenciais.

Embora não acreditasse na exterioridade da forma política que essa massa de homens pudesse dar a si mesma, achei alguns conceitos trazidos por eles à ordem do dia e alguns interesses suscitados, propícios, para acarretar aqui e ali alguma coisa verdadeiramente boa parte da comunidade.

Assim trouxe à baila, o quanto pude, meus velhos anseios de educação popular e confiei-os, primorosamente, com toda a envergadura em que os concebia, ao coração de Legrand (na época, um dos membros do Diretório Helvético). Ele não só demonstrou interesse como julgava comigo que a República precisava inevitavelmente transformar o estado de educação. E concordávamos nisto: que a formação popular podia ter maior eficácia, atingindo um número apreciável das crianças mais pobres, dando-lhes educação completa, se essas crianças não fossem retiradas do seu meio, mas se tornassem, ao contrário, por meio do educação, muito mais atadas a ele.

No princípio, por falta de camas, à noite, tinha de mandar uma parte das crianças pobres para casa. Todas elas voltavam pela manhã, cobertas de piolhos. Ao entrarem, a maioria dessas crianças se encontrava no estado que a extrema degeneração da natureza humana traz como conseqüência inevitável. Algumas chegavam com tanta sarna que mal podiam andar; muitas com as cabeças abertas; muitas com trapos, cheios de piolhos; muitas, tão magras como esqueletos, amarelas, com os dentes arreganhados, com olhos cheios de medo e a fronte cheia de rugas de desconfiança e preocupação; algumas, cheias de valente atrevimento, acostumadas à mendicância, à mentira e a todas as falsidades; outras, oprimidas pela miséria, pacientes, mas desconfiadas, insensíveis e medrosas. No meio havia algumas delicadas, que alguma vez  já haviam vivido comodamente; essas eram cheias de exigências, juntavam-se entre si, desprezavam as crianças mendigas e de famílias pobres, não se sentiam à vontade naquela igualdade; o tratamento dos pobres não não se parecia com seu conforto antigo e consequentemente não correspondia aos seus desejos. Em geral, havia um preguiçosa inatividade, alta de exercício intelectual e de habilidades físicas essenciais. Entre dez crianças, uma sabia o ABC. De outras disciplinas escolares e de elementos essenciais da educação, nem se fale.”

A cada cem professores a quem perguntava o que conhecia da vida e da obra de Pestalozzi, talvez um ou dois soubessem responder algo. E, se lhes falasse do Pestalozzi brasileiro de Sacramento do início do século XX, demonstravam a maior das ignorâncias, nem o nome Eurípedes lhes era familiar.

Mais de duzentos anos depois de Stans, no Brasil dos idos de vinte, encontrei situações em tudo semelhantes àquelas que Pestalozzi encontrou.

Por que se continuava a maltratar a infância?

 

Por: José Pacheco

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