Eunápolis, 16 de janeiro de 2044
O janeiro de 2024 de Caraíva assemelhou-se ao de 2015 do Paranoá. Neste ano, com um secretário de educação ético (também os havia) se iniciava a criação de comunidades. Em 2018, surgiria a primeira: a Comunidade de Aprendizagem do Paranoá – CAP.
Não era um simulacro de comunidade como aquelas que, a partir de São Carlos, se espalhou como um praga. Era mesmo uma comunidade. E, porque o era, alguns anos mais tarde, a estupidez e o autoritarismo da mesma secretaria a destruiu.
Em Caraíva, a partir de múltiplas iniciativas, uma rede de comunidades começou a tomar forma. Tínhamos aprendido com os insucessos. As novas comunidades seriam concebidas como novas construções sociais de aprendizagem e de educação. Retomávamos o rumo de um projeto interrompido, assumindo os mesmos princípios:
“Quando a comunidade se constitui como parte atuante da escola, com voz e participação na construção coletiva de um projeto, surge o sentido de pertencimento. Isto é, a escola passa a integrar a comunidade, que, por sua vez, passa a zelar com mais cuidado por seu patrimônio, a respirar projetos de interesse de sua gente de sua realidade”.
A “Apresentação” da CAP começava com um excerto do “Currículo em Movimento da Educação Básica”, documento que, até então, tinha sido letra morta. Entre 2015 e 2017 e a pedido da secretaria, um núcleo de projeto se constituiu. No primeiro ano da pandemia, o projeto começava a tomar forma.
A situação no Paranoá de 2018 assemelhava-se àquela vivida no município de Porto Seguro, no ano de 2024, a de uma catástrofe educacional. Basta dizer que o IDEB do final do Ensino Médio se situava nuns míseros 2,2. Apesar de questionável, o IDEB era o indicador utilizado para caraterizar a catástrofe, uma situação em tudo idêntica à muitos outros municípios brasileiros.
Se a Secretaria de Educação não assumiu a responsabilidade de acompanhar e apoiar o processo de Caraíva, a Secretaria do Ambiente, em boa hora e consciente da importância da iniciativa, o fez. Entre os dias 17 e 19 de janeiro de vinte e quatro, se refletiu sobre a ressignificação do espaço escolar, bem como da relação deste com a comunidade.
Visava-se materializar valores, a partir do princípio que nos dizia que um prédio recém-construído e feito de salas de aula não era uma escola – escolas eram pessoas. Pessoas que, também, poderiam abrigar-se dentro de um “bunker escolar”, mas sem se enfileirarem entre quatro paredes.
No tempo que passei em Caraíva, fui conversando com educadores como os amigos Bruno e Mariana. Fomos imaginando projetos de vida dos seus filhos. O Anael, nos seus três aninhos, ainda não sabia. O Nuna queria ser biólogo. O Sidarta disse que seria escritor. E foram o que desejavam ser, porque o exemplo da Escola da Floresta benignamente se propagou.
No final de um belo almoço, a senhora que servira à mesa sussurrou aos meus ouvidos algo, que não entendi de imediato. Valeu-me a Vovó Ludi, que reproduziu a fala da Rose (o nome da jovem que nos dera alimento):
“Leio as suas cartas, professor. Sou professora. Gostaria de ser criança… em 2044.”
Não foi preciso chegar aos dias de hoje, para que as nossas crianças tivessem direito de serem seres humanos sábios e pessoas felizes. Depois de Caraíva e da criação de ARCAs em outros lugares, nada ficou igual,. Finalmente, a Escola Pública, há muito tempo anunciada, virava realidade.
Mas, já cá faltava a costumeira pergunta:
Por que foi recusado o direito à educação a tantas gerações de alunos? Por que se permitiu que o obsoleto sistema de ensinagem atravessasse séculos como cadáver adiado?
Por: José Pacheco
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