Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MCDLXXXIV

Cabrália, 19 de janeiro de 2044

Entre os meses de agosto e outubro de dois mil e oito, através de um fórum virtual e reuniões presenciais, decorreu o processo de construção da carta de princípios dos Românticos Conspiradores do Núcleo RC-SP”. 

Volvidos quinze anos, surgiria outra carta – a “Carta de Caraíva” – acompanhada da proposta da organização de projetos de Escola Pública em Assembleias de Redes de Comunidades de Aprendizagem (ARCA). 

A partir de escolas da rede pública de ensino, ou de escolas de iniciativa particular, se tornaria realidade a Escola Pública sonhada por Anísio e Sérgio.

O último dia começou com uma pergunta:

“O que iremos fazer na segunda-feira?”

A Zezé respondeu:

“Irei desobedecer, para que tudo se transforme.”

A Zezé voltaria à sua sala de aula. Mas, eu esperava que a Zezé dali saísse, não só confortada com amistosas palavras, mas com a garantia de que seria ajudada a formar uma equipe de projeto de transformação de uma escola de sala de aula numa Escola Pública. 

O vosso avô tinha “combinado” com a organização do evento apresentar a nova “Carta” e preparar uma intervenção, na tarde do último dia do encontro. Porém, o “combinado” foi, unilateralmente, “descombinado”, e o encontro foi dado por encerrado, no final da manhã. 

Desse encontro deveria resultar um fraterno religar de projetos e uma decisão de ato público, tomada em… ASSEMBLEIA. Fiquei surpreendido com a “descombinação”, mas não manifestei surpresa. E, no final dessa tarde, um súbito “incidente crítico” me esclareceu.

Corajosamente, a Zezé, a Flávia e outras corajosas professoras da rede pública de ensino de Caraíva falaram da vida de chão de escola dita pública (que de Escola Pública nada tinha). Foram denunciadas “realidades” (sic), algo que os RC já tinham contemplado na sua Carta de Princípios:

“A educação deve servir para a melhora da realidade. Ela deve ser integrada à vida dos educandos e de suas comunidades, aberta para a troca de experiências e conhecimentos. A educação só possibilitará à pessoa atuar efetivamente na transformação da sua realidade, se proporcionar autotransformação.”

Numa intervenção, houve quem se mostrasse “preocupado com a transição entre o primeiro fundamental para o segundo fundamental”, o que me fez recordar uma situação de muitos anos atrás, quando fui convidado para participar num debate sobre a “transição traumática entre ciclos de ensino”.

Na Mesa de debate, uma psicóloga leu seu PowerPoint, que dizia ter “ajudado alunos do 1º ciclo a adaptar-se à passagem para o 2º ciclo”. Disse ainda que, no tempo dessa transição, crianças tinham desenvolvido incontinência urinária, e que outras ficavam febris, na “hora de ir para a escola”.

A moderadora da Mesa deu a palavra ao segundo palestrante: o vosso avô.

Dado que não fazia palestra e procurava conversar, dirigi aos presentes a pergunta habitual:

“O que quereis saber?”

Com também era habitual, ninguém reagiu, ninguém perguntou.

Então, juntei mais três perguntas:

“Existe transição traumática entre ciclos porque existe transição entre ciclos, não é assim?”

Com a cabeça, o auditório manifestou acordo.

“Se deixar de haver ciclos, deixará de haver transição, não é?”

Evidentemente, era,. E um novo e idêntico coletivo movimento de cabeça “disse que sim”. 

“Poderemos concluir que, não havendo transição, não haverá trauma?”

A assembleia se quedou muda. E eu não fiz mais perguntas.

A moderadora pediu para que eu “continusasse a palestra”. Respondi que já a tinha terminado.

Queridos netos, eis a pergunta da praxe:

Por que continuou a haver ciclos de ensino?

 

Por: José Pacheco

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