Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDXIX

São Pedro da Aldeia, 24 de fevereiro de 2044

De volta ao Brasil, rascunhei durante a viagem mais algumas contribuições, mais ou menos, teóricas, que convosco partilho. 

Desta vez, me arriscarei numa breve incursão no universo da… psicanálise. Não espereis profundas reflexões. O vosso avô apenas reunia informação (leia-se: teoria) que o ajudasse a resolver dificuldades de ensinagem. Eis o que teclei na velha máquina de escrever, por volta de 1972:

Em que sentido pode a psicanálise (como ciência aplicada) ter “aplicação” nas práticas educativas? Mosconi dá-nos uma possível resposta, quando refere que numa prática pedagógica, não será a psicanálise a comandar, nem como prática, nem como teoria científica, mas essa mesma prática, com os fins que se propõe.

Apesar de a psicanálise ser considerada determinista, por considerar o adulto retroactivo, para Freud a educação consiste, fundamentalmente, em desenvolver na criança um eu capaz de se determinar. 

A formação do superego exigirá um meio educativo em que intervém, determinadamente, no campo intelectual como no da ação, a afetividade. 

Entre as noções introduzidas por este autor, destaca-se o “princípio do prazer” (tendência para a satisfação das necessidades) e o “princípio da realidade” (submissão aos constrangimentos sociais). Entre os seus discípulos, e no campo restrito da educação, merecem referência: Mélanie Klein, que interpretava perturbações neuróticas através do jogo; Hans Zulliger, que criava situações de jogo, para que nelas as crianças simbolizassem os seus conflitos traumatizantes; Maud Mannoni, que, através do desenho e do teatro de fantoches, permitia a verbalização das perturbações; Ana Freud, que divulgou a psicanálise junto dos educadores, ajudando-os na interpretação do psiquismo infantil. 

Neste âmbito, também merece referência Alfred Adler, criador da “psicologia individual”, que viria a exercer alguma influência no apogeu da Educação Nova. 

A psicanálise não descura o papel da auto-educação. Mas, sustenta que o educador deve “dar o exemplo”, não o seu exemplo, mas a imagem ideal que sustenta a benevolência, atenção, compreensão. Confere a maior importância às relações interpessoais. Realça o conteúdo afetivo e emocional dessas relações, raramente contemplado pela escola. Por isso, recusa a redução da curiosidade e interrogações infantis ao domínio do cognitivo. 

Nesse tempo, ainda considerávamos o aluno como centro do processo de aprendizagem. Mas, já Filloux nos dizia que tudo o que diz respeito à criança e à escola deve ser estudado numa perspectiva relacional. 

Esse autor reconhece que não foi ainda possível aproximar os psicanalistas dos especialistas em Ciências de Educação, de modo a promover um “saber psicanalítico” aplicável à Educação.

O que a psicanálise requer ao educador é, no fundo, um discernimento suficiente para se descobrir e se reconhecer, o que não é tarefa fácil, dada a dificuldade de transpor o potencial da psicanálise para a práxis pedagógica. Mas, são inúmeros os equívocos. Poderemos encontrar falsos adultos, para os quais o contacto com crianças é um meio inconsciente de recuperação pessoal da infância, que funciona como uma fuga à realidade, ou concretização do reconhecimento de poder e consideração. 

Outro desvio consiste na manipulação dos desejos. Sobre isso, vos falarei na cartinha de amanhã, de Schmidt e de Reich, no enunciado de princípios psicanalíticos do trabalho escolar.

A Ponte era um projeto cientificamente fundamentado. Talvez isso nos tivesse salvado da extinção.

 

Por: José Pacheco

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