Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDXXIX

Cumuruxatiba, 5 de março de 2044 

Nos anos oitenta, o GEP – Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Educação português reconhecia que:

“Faz pouco sentido, nos moldes atuais da gestão das escolas do ensino primário, falar da democraticidade de funcionamento, quando existem tão poucas oportunidades de autonomia e de exercício da capacidade de decisão. 

Limitar a democraticidade aos processos de decisão mais ou menos coletiva do conselho escolar é esvaziar o conceito de participação e responsabilização na educação”.

No mesmo ano em que o projeto Fazer a Ponte começou a tomar forma, Georges Lapassade escrevia no seu livro “Groupes, organisations, instituitions”:
“As decisões fundamentais são tomadas no cimo do sistema hierárquico. Existe uma hierarquia de decisões, do ministro ao professor, dispondo este último de uma certa margem de decisão no quadro do sistema de normas”.

Eu diria que, se dispunha, não a utilizava. A democraticidade não se compatibilizava com a menorização da instituição-escola. A gestão das escolas processava-se ao nível da subsistência. O trabalho dos legisladores era efetuado no desconhecimento da prática, ou por pessoas que dela recebia contribuição indireta.

Se o exercício de autonomia era condição do funcionamento e sobrevivência dos projetos, sujeito a múltiplos constrangimentos que me coarctavam a iniciativa, optei pela associação. E, dado que não havia professores na Ponte dos idos de setenta (só havia dadores de aula) me associei com pais de alunos.

Na Ponte, quem tomava consciência do isolamento e das discriminações poderia não as expressar, mas rejeitava-as ativamente. Ao se adotar esse posicionamento, respeitava-se, como diria o saudoso Bártolo Paiva Campos, “o direito prioritário que aos agentes locais assiste na direção dos seus destinos e a criar condições para transformação da realidade própria num contexto de maior autonomia em relação ao apoio externo. 

Os fenómenos educativos caracterizam-se por uma complexa e imprevisível instabilidade e por um permanente conflito de valores. As “realidades” educativas fomentam dilemas perante os quais os professores acabam, de qualquer modo, por tomar posição. Mais do que profissionais preparados para alcançar objetivos com “eficácia e eficiência”, os professores são intelectuais com capacidade de exercício crítico. Para que não suceda uma opção de alheamento, o professor deverá ser considerado como um profissional autónomo, que toma decisões e se assume como investigador da sua própria prática e da prática dos seus pares. 

O inesperado, o incerto da profissão de professor é, em si-mesmo, reflexo de autonomia e obstáculo a intromissões, quando se observa a preocupação com a denúncia da dominação, a par com uma nova ética da liberdade. 

A tarefa básica é a de mudar vivendo o presente na incerteza do presente. Nos atos mais triviais estão presentes as recusas da antecipação teórica dos problemas práticos. Está presente o jogo da liberdade com o real, que visa transformá-lo.

Nas palavras de Vaalgarda e Norbeck: “Os participantes fazem, em conjunto, um intercâmbio de experiências. O grupo sabe mais que o indivíduo, buscando coletivamente os factos de que necessita. E o individuo singular sente-se valorizado ao colaborar para um objetivo comum, num exercício democrático, estímulo para se agir na sociedade ou no local de trabalho”.

Hesito na multiplicação de referências, de citações, ou de mais e mais pistas para a compreensão, porque tudo o que registei me sugere retornos, coisa pouca, nada de novo. 

 

Por: José Pacheco

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