Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDXXXI

Teixeira de Freitas, 7 de março de 2044 

Já aqui vos trouxe estas palavras da Cecília, mas as retomo. Nos idos de vinte, esse texto mantinha-se atual (80 anos após ser escrito!).

“Que lhes valeu todo o curso que fizeram durante longos anos? 

Em vão leram livros copiosos, beberam a caudalosa erudição dos catedráticos imponentes, como oradores parlamentares, fizeram provas escritas de inúmeras laudas, com letra miúda. Palavras, palavras, palavras que o vento levou… 

As aulas de psicologia ficaram geladas nos livros; as de pedagogia fecharam-se nas caixas de jogos; as outras não levaram em si nenhum gérmen dessas duas, que são, no entanto as indispensáveis a quem vai ser professor. 

Pobres alunas que não tiveram quem as orientasse a tempo! Depois de tanto trabalho, terão de fazer por si mesmas, e com enorme esforço, aguilhoadas pela pressa de quem já está no quadro do magistério, toda a cultura técnica que ninguém pensou ou lhes pode fornecer no momento devido” 

A situação descrita (que só quem não a partilhasse poderá questionar) contrastava com os propósitos expressos em teses e documentos de política educacional. 

Em meados de setenta, quando a Ponte dava os primeiros passos de uma formação emancipadora, o Decreto-Lei 290/75 tecia considerações jamais concretizadas:

“Na revisão do regime de formação, haverá que engendrar decididamente pela elevação do nível de preparação daqueles que escolheram o magistério como carreira profissional”.

De um modo geral, a formação organizada segundo esse tipo de racionalidade era geradora de formas de organização escolar decalcadas de antanho, nas quais os professores exerciam um controlo escasso sobre o seu trabalho. Programas e projetos de formação colocavam a ênfase em “técnicas pedagógicas que, em geral, evitam as questões sobre as finalidades e o discurso de crítica e de possibilidade” – palavras de Aronowitz e de Giroux.

A racionalidade tecnocrática, que tendia a separar a teoria da prática, promovia pedagogias que suprimiam a autonomia dos professores (e, concomitantemente, a dos alunos). Na Ponte se questionou ideologias que legitimavam a separação entre processos de conceptualização e de execução. E uma das primeiras tarefas da formação, que se fazia há vinte anos, foi a de elaborar contratos e termos de autonomia. 

Há vinte anos, a avaliar pelo desempenho da maioria dos novos professores, a formação inicial continuava a manifestar incapacidade para obstar ao choque das realidades. À formação inicial desprovida dessa qualidade juntava-se a não-inicial que qualitativamente nada acrescentava à primeira. 

O professor recém-formado era atirado, sem recursos, para o isolamento de uma sala, que tinha dentro um grupo de crianças. Desenvencilha-se. Os primeiros dias eram decisivos, definitivamente decisivos para a instalação de rotinas que resolvessem a crise inicial. 

O professor “probatório” evocava modelos da sua experiência como aluno e passava a exercer um apertado “controlo disciplinar”, que anulava o exercício de autonomia nos alunos, anulando a sua própria autonomia. Recorria ao manual, que anulava o professor. Utilizava o teste, que anulava uma avaliação “alinhada” com a aprendizagem. A passagem do tempo e o exemplo dos colegas asseguravam a sedimentação do isolamento, do improviso e do primado da racionalidade instrumental. 

Estão decorridas duas décadas sobre os “Encontros de Sábado”, um tempo em que a formação ganhou novos contornos. Bem hajam aqueles que neles participaram!  Bem-vindos aqueles que, hoje, nesses educadores se inspiram.

 

Por: José Pacheco

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