Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDXXXII

São Geraldo, 8 de março de 2044

Até há muito pouco tempo, esta data era celebrada com festas e consumismo. Longe ia a origem da homenagem prestada às mulheres, longínquos os ecos de lutas, de intensos movimentos de reivindicação política, de perseguições. Neste dia de há vinte anos, era comemorado mais um “Dia Internacional da Mulher”. E o que havia para comemorar? Tentativas de chamar a atenção da sociedade para desigualdades gritantes? 

No fundo baú das velharias, achei algumas notícias:

“Cúpula da República teve uma mulher para cada dezasseis homens, após redemocratização”.

“Mulheres negras voltam a alisar cabelos após críticas e relatam pressão sobre a própria imagem”. 

“Ações trabalhistas que citam assédio sexual crescem 200% desde 2018”.

E a educação escolar e familiar não conseguiam conter o aumento do feminicídio.

Ia longe o tempo em que as professoras pediam ao ministério autorização para casar, mas outras heteronímias se mantinham. Muitos projetos capazes de inverter essa triste situação haviam perecido. Por isso, eu insistia em chamar a atenção para a necessidade de desenvolvimento de autonomia pessoal (da mulher, em particular) e dos projetos.

Era meu hábito usar um tom coloquial, para ser entendido. Na véspera do terceiro “encontro de sábado”, preparávamo-nos para apresentar evidências de aprendizagem, para diversificar espaços de aprendizagem e introduzir alguns dos dispositivos utilizados na Ponte da década de setenta. Não se tratava de produzir clones de um projeto, mas de Refazer a Ponte, à medida de cada comunidade.

Propus que se relesse documentos básicos: o projeto, o regulamento, o contrato de autonomia. E que, revistos e ajustados, esses documentos fossem entregues aos diretores de agrupamento e às secretarias. 

Pedia, insistentemente, que as práticas, quaisquer que fossem as adotadas, fossem fiéis à letra e ao espírito dos documentos, porque o discurso da autonomia poderia desempenhar uma poderosa função ideológica, estimulando na micropolítica escolar uma “eficácia pessoal” promotora da subordinação do indivíduo ao controlo organizativo. 

Seria necessário, portanto, promover a distinção entre uma autonomia formal e uma conceção democratizante de autonomia, geradora de modalidades de intervenção formativa distintas da participação formal de professores em ações condicionadas pela instrumentalidade e a racionalidade técnica. Creio que poderíamos chamar-lhe, à maneira de Fritzell, “autonomia relativa”, uma autonomia diversa que era concebida como “uma certa quantidade de alguma independência abstrata”. 

Esta presunção de autonomia diferia de outras, que tendiam a considerar como autónomas meras qualificações para assunção de responsabilidades pessoais no quadro de constrangimentos estruturais, sem que se questionasse a legitimidade de relações sociais de reprodução.

O exercício de autonomia pressupõe risco, compreensão da situação, do sistema interaccional, dos constrangimentos institucionais, num ambiente organizado para a participação na decisão e no exercício da profissão. Pressupõe algum controlo sobre a profissão e sobre as condições do seu exercício. 

Os círculos de aprendizagem dimanados dos “Encontros de Sábado” agiam como subsistemas sociais autónomos, na medida em que – como também diria Fritzell – as suas consequências sociais significantes, interiormente e exteriormente, não estivessem ajustadas à reprodução de outros sistemas, e nos quais se pudesse reclamar responsabilidade pelos próprios atos e seus efeitos.

 

Por: José Pacheco

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