Tortozendo, 20 de julho de 2040
Tudo aquilo que lestes do mestre Celso e muito mais do que lestes está plasmado nas crônicas que o amigo Rubem publicou, no início do século. Decorria o mês de maio de 2020, quando o Rubem visitou a Ponte. Eis como o Mestre descreveu a sua chegada:
“Pedi que o Ademar me desse explicações preliminares, antes da visita. Ele se recusou. Disse-me que explicações seriam inúteis”.
O Rubem surpreendeu-se com a recepção, imaginou que eu seria o seu guia e explicador:
“Ao invés disso ele chamou uma aluna de uns 10 anos que passava e disse: “Será que tu poderias mostras e explicar a nossa escola a este visitante?” Ela acenou que sim com um sorriso e passou a me guiar”.
“Antes de entrar no lugar onde as crianças estavam, ela parou para me dar a primeira explicação que tinha por objetivo, imagino, amenizar a surpresa. É preciso imaginar o delicioso “portuguesh” que se fala em Portugal para sentir a música segura e tranquila da fala da menina. “Nósh não têmosh, como nas outrash escolash (daqui para frente escreverei do jeito normal…) salas de aulas. Não temos classes separadas, 1º ano, 2º ano… Também não temos aulas, em que um professor ensina a matéria. Aprendemos assim: formamos pequenos grupos com interesse comum por um assunto, reunimo-nos com uma professora e ela dá orientação sobre o que deveremos pesquisar e os locais onde pesquisar. E usamos muito os recursos da Internet. Ditas essas palavras ela abriu a porta e, ao entrar, o que vi me causou espanto”.
O “espanto” estimulou a humildade daquele extraordinário ser humano. Fê-lo questionar atávicas culturas de universitários, que consideravam haver um “ensino inferior”. Sem resquícios de arrogância, concluiu que, se alguma “aprendizagem superior” existisse, ela não estaria nas salas de aula de uma superior ensinagem. Talvez a encontrássemos em frágeis fendas de universitária inovação, que também as havia…
Na universidade – prefiro esta designação “não-superior” – outro humilde mestre, o amigo Celso, teoricamente abordava o processo de pesquisa, que a anfitriã do Rubem descrevera em termos práticos:
“No passado, com a dificuldade de acesso à informação, o professor (ou o padre ou pastor) era a única forma de acesso. Atualmente, esta justificativa chega a ser risível com toda a explosão dos meios de comunicação e, em especial, da rede mundial de computadores. Há a presunção de que os alunos “naturalmente” se interessam por aquilo que vai ser transmitido. Muitas vezes, o professor, a partir de seu centramento afetivo, não consegue imaginar que exista alguém que não se interessa por aqueles conteúdos que ele se interessa”.
Na pós-pandemia, a administração educacional ostracizou a surpresa do Rubem e a ciência do Celso. O vil metal envenenava as relações e poluía o debate. Quando foi possível conviver sem máscara protetora no rosto, o instrucionismo mascarou-se de aula híbrida e de aula online. Mercadores do digital substituíam professores por robôs, indiferentes aos argumentos do amigo Celso.
Outro ser humano a caminho da perfeição escreveu que a linguagem dos homens passara a ser fonte de mal-entendidos. As palavras de um cientista valiam menos do que a verborreia de falsos “superiores” e dos desgovernantes.
Meditareis, queridos netos, sobre o facto de este vosso avô ter atribuído humanos nomes a alados seres. Isso se devia a não me sobrar engenho para reinventar a adulterada linguagem dos homens. Nem conseguiria alcançar a compreensão de ocultos saberes que só as aves preservavam, quando atribuíam exatos nomes a exatas essências.
Por: José Pacheco
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