Matosinhos, 25 de junho de 2041
Nos idos de vinte, a Escola agonizava. As práticas dissonantes eram objetos de curiosidade, quando deveriam ser locus de pesquisa, fontes de inspiração. O “insucesso educativo” constituía-se em paradoxo, custava aceitá-lo, quando alimentávamos caros sistemas educacionais. Diminuía o número de alunos por turma, milhões eram gastos em inúteis cursos e assessorias.
Os países que apresentavam melhores resultados não alimentavam pesadas máquinas burocráticas. O excesso de intervencionismo da administração educacional em domínios para os quais não estava capacitada (como o da pedagogia) impunha o primado da burocracia às escolas. Uma gestão feita a partir de gabinetes, esvazia-as de qualquer ideia de projeto. O modelo “tradicional” reproduzia-se como uma praga. Mais “data show” menos pau de giz, em pleno século XXI, a Escola mantinha-se tributária de necessidades sociais do século XIX. O saudoso João dos Santos falava-nos da sua tristeza, quando já adulto, voltara à escola para assistir, novamente, a peças de teatro que havia representado, quando criança.
Os professores continuavam a agir como únicos donos da verdade e do saber. Como escreveu a Adriana:
“Ainda há muitos educadores que perseguem o mito da turma homogénea, como se realmente existisse; se este tipo de turma algum dia existiu, atualmente encontra-se, sem dúvida, em vias de extinção”.
Nos idos de vinte, hipotecava-se a competência de muitas gerações de professores, mas ainda seria possível suster a tendência para, ciclicamente, carpir a sina de ocupar os últimos lugares dos rankings internacionais. As profecias do mestre Agostinho poderiam concretizar-se.
Dos estudos maiores aos menores estudos, nada se criava e tudo se copiava, produzindo conclusões em circuito fechado. Os pesquisadores adoptavam um léxico velho de séculos, jogavam com conceitos obsoletos, reinventavam nomenclaturas, reescreviam literatura de ficção científica. O fosso entre a teoria e a prática mantinha-se, ou se aprofundava. Em 2041, sabemos que estamos prestes a chegar à “Idade da Educação”. Tal como Saramago, os educadores portugueses e brasileiros já poderão fazer jus à distinção de um Nobel.
Por que não existia o Prémio Nobel da Educação? Existia o Nobel da Química, o Nobel da Física, o da Paz. o da Literatura, o da Economia. Os galardoados em Química passaram pela escola, os génios da Economia absorveram as bases do seu saber numa escola. Einstein e outros “maus alunos” eram a resposta. Se lermos as biografias de grandes vultos da humanidade, concluiremos que quase todos contornaram a escola – foram grandes, apesar da Escola.
Nos idos de vinte, a Escola atravessava uma crise de legitimidade, já não era o único lugar de produção de conhecimento. Mas, apesar da mesmice, ainda libertava talentos, que transformavam o mundo e alcançavam a dignidade de um Nobel. A Escola era uma instituição caduca num modelo de sociedade caduco, mas ainda poderia redescobrir o seu sentido, reconfigurar-se.
Na sua obra “As Profissões do Futuro”, consciente de que “as oportunidades de sobrevivência digna estavam condicionadas pelas possibilidades de criação e multiplicação de redes de conhecimento”, Schwartz resume em três palavras o que a Escola (enquanto construção social) deveria considerar como esteios de projeto: rede, conhecimento e cidadania. Para se alcançar a dimensão da rede, preciso seria desconcentrar um burocratizado sistema de ensino, cocriar círculos de aprendizagem, federalizá-los em comunidades. Foi o que se fez.
Por: José Pacheco
326total visits,4visits today