Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCXXXIII)

Tavira, 13 de dezembro de 2041

Mais uma vez… em Tavira. Quando o vosso avô aqui esteve, nos idos de setenta, a cidade era palco de um drama, que ameaçava a minha geração. O espectro da morte na guerra colonial pairava sobre a cidade. Mas, Tavira também foi lugar de bem-estar, dado que o vosso pai a escolheu como lugar de viver e ser professor. São gratas as recordações que guardo dessa cidade. Vezes sem conta, deambulei pelo bairro árabe. Na ponte românica, contemplei belos entardeceres. E, sempre que pude, fui até Cacela Velha. Dela vos falarei, em breve.

A estas velhas boas recordações se juntaram, hoje, outras recordações, contidas em mensagens quase esquecidas numa velha pen drive.

Em finais da segunda década deste século, a Cecilia compartilhava lembranças. Seria pecado não as transcrever, não vos dar a conhecer sensíveis palavras. O farei, como singela homenagem a uma extraordinária educadora.

“Quando iniciamos nossa reconfiguração, em meados de 2017, um aspecto que chamou a minha atenção foi o desinteresse das crianças pelos livros. Eu sou uma apaixonada pela literatura, autora de livros infantis e não via motivação nos pequenos em ouvir, ou ler histórias.

Partimos para a organização da biblioteca, que se tornou o lugar mais colorido e acolhedor da escola. Colocamos em prática um grandioso projeto de Leitura. E, vendo o encantamento das crianças, lhe demos continuidade, em 2018, com novas ações e propostas.

Certo dia, estávamos todos no pátio da escola, nos preparando para irmos embora, e uma pequena com seus oito anos veio até mim e disse:

“Tia, estava te procurando”.

Eu respondi:

“Oi, minha linda. Está precisando de alguma coisa?”

“Não, tia! Só queria te contar uma coisa. Sabia que lá em casa eu e as meninas estamos fazendo uma biblioteca?”

Não consegui conter um sorriso de satisfação e curiosidade.

“Sério? Que incrível! Como vocês estão fazendo?”

“Ah, Tia! A gente juntou aqueles livros que a gente tem da Catarina e mais uns papeis e cadernos, e colocamos numa mesinha. E, lá, a gente brinca de biblioteca e de escola.”

Eu respondi, ainda mais entusiasmada:

“Que legal! Os livros que vocês ganharam! Vou ver se tenho mais alguns para vocês!”

“Oba!!! – ela respondeu.

Eu e a pequena grande menina nos abraçamos e despedimos:

“Tchau Tia!”

“Tchau, querida! Vai com Deus! Boa leitura, hoje!

Ela olhou para trás, sorriu com olhos e disse:

“Vou falar para a Tia Jéssica mandar uma foto da biblioteca para você!”

“Ah! Vou adorar!”

Saímos da escola mais esperançosas, nesse dia, por se comprovar como nossas ações, bem planejadas, faziam, de fato, a diferença na vida das nossas crianças. Os livros que a incentivaram a fazer a sua biblioteca pessoal foram entregues a estas crianças em março desse ano, na Campanha dos Padrinhos Literários e causava transformações como essa.

A tia Jéssica tinha na sua casa dez crianças entregues aos seus cuidados. Então, foram dez livros recebidos na Campanha, cada criança recebeu o seu. A menina alimentava a esperança de receber mais livros e ampliar sua brincadeira em casa: a brincadeira de ler. Quer coisa mais linda?

Em casa, já bem à noitinha, recebi a foto que a Tia Jéssica me enviou, com a seguinte legenda:

“A biblioteca das meninas está desarrumada, pois elas arrumam todo dia na lavanderia, mas, quando chove, molha e aí eu tiro de lá.”

Eu nem sei o que senti, tamanha esperança em um mundo melhor! Cheio de livros, cheio de práticas educacionais significativas, cheio de afeto!

“Obrigada, pequena Kemilen, por esta dose de vida em minha vida!”

As mensagens da minha amiga Cecília eram educação em estado puro.

Por: José Pacheco

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