Cordeirinho, 30 de janeiro de 2042
Decorria o já distante janeiro de vinte e dois. No último domingo desse mês, os portugueses foram a votos, para escolher novo governo. As propostas dos partidos, no campo da educação, eram paupérrimas. Eram a negação de princípios constitucionais. Iam na contramão de uma corajosa iniciativa da secretaria de Maricá. Ofendiam a memória de insignes educadores e políticos como Darcy. Veja-se, por exemplo o que a “Iniciativa Liberal” propunha, no âmbito da “inclusão de alunos com necessidades especiais”:
“Os alunos com necessidades especiais devem ser enquadrados na escola de uma forma que atenda à gravidade das suas necessidades. Se essas necessidades foram compatíveis com um ritmo normal de aprendizagem – por exemplo, se forem de natureza motora – então os alunos devem ser incluídos em turmas normais.
Se, por outro lado, as necessidades especiais não forem compatíveis com um ritmo normal de aprendizagem – por exemplo, se forem de natureza cognitiva ou comportamental – então esses alunos devem ser inscritos em turmas especiais lideradas por professores e outros profissionais devidamente habilitados para lidar com essas limitações”.
“Enquadrados na escola (…) gravidade das necessidades (…) ritmo normal de aprendizagem (…) turmas normais (…) “turmas especiais”. Também no domínio da “inclusão”, os programas eleitorais dos partidos eram autênticos pesadelos. Os seus autores, certamente, não teriam lido a “Declaração de Salamanca”. Os políticos e “especialistas”, que os redigiram pareciam saídos das catacumbas pedagógicas da proto-história da educação.
“A crise da educação não é uma crise, é um projeto”, diria o Mestre Darcy. As suas obras sobre a identidade da América influenciaram estudiosos latino-americanos críticos da visão eurocêntrica presente nos estudos sobre os povos originários do Brasil e do sul. Darcy afirmava que, nos trópicos, havia uma outra forma de se viver e de sentir a vida. A Educação do sul não era o atraso, mas o futuro do mundo. E o futuro recomeçava em… Maricá.
Voltando a lugares onde tudo recomeçou, nesse janeiro, a prefeitura de Maricá lançava o projeto “Comunidade de Aprendizagem”. O lançamento do projeto inseria-se na celebração do centenário do nascimento de Darcy Ribeiro. Até ao 26 de outubro do já distante 2022, iniciativas várias impediriam a sua segunda morte: a morte da memória.
Numa sociedade atolada em fundamentalismos e negacionismos, um oásis feito de bom senso e esperança nascia. A iniciativa Secretaria Municipal de Educação visava “melhorar a aprendizagem, com mais diálogo e envolvimento de estudantes, pais e escola, na escolha dos processos educativos. Seis escolas foram selecionadas para um projeto-piloto, escolhidas de acordo com a sua localidade, faixa etária dos alunos e porque as gestoras tinham experiência com tempo integral”, explicou a secretária Adriana.
O lançamento do projeto ocorreu na Casa Darcy Ribeiro, em Cordeirinho. As secretarias de educação das cidades de Vassouras e Mendes se fizeram representar. A secretária Magda Sayão e a secretária Maria Paula partilhavam as convicções da secretária Adriana:
“A gestão tem que ser democrática e participativa de fato, e toda a comunidade precisa contribuir. Vamos quebrar vários paradigmas da comunicação, personalizando o aprendizado. Nossos alunos vão aprender efetivamente sobre aquilo que eles têm interesse e, por isso, a formação dos professores é essencial nesse processo”.
E, mais do que partilhar convicções, também tinham decidido agir.
Por: José Pacheco
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