Figueira de Castelo Rodrigo, 22 de fevereiro de 2042
Nos idos de vinte, um inquérito conduzido pela Fundação Gulbenkian e pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa revelou um país de fortes desigualdades sociais e educacionais, no que tocava ao acesso à cultura. Apurou que, no ano 2021, quase dois terços dos portugueses não leram um só livro. As desigualdades territoriais e socioeconómicas moldavam as práticas e os hábitos culturais dos portugueses.
Foram aplicados inquéritos a cidadãos residentes no país, com quinze ou mais anos de idade. O estudo abordou áreas como: consumos culturais por meio da Internet, televisão e rádio; hábitos de leitura em papel e em formato digital; frequência de bibliotecas, museus, galerias de arte e monumentos; ida a espetáculos, a concertos e ao cinema. E, como viria a dizer o José, era revelador de “lacunas, há muito verificadas”.
Nos 12 meses anteriores ao início da pandemia, 80% dos portugueses não tinham frequentado uma biblioteca sequer. Só 31% e 28%, respetivamente, visitaram algum monumento histórico ou um museu, e apenas 6%, galerias de arte e sítios arqueológicos. Entre os espetáculos ao vivo, os mais frequentados foram os festivais e as festas locais (38%), os concertos ao vivo (24%) e o teatro (13%). Os 7% que iam ao circo eram mais do que aqueles que assistiam a eventos eruditos como concertos clássicos (6%), dança ou ballet (5%) e ópera (2%).
Os portugueses passavam mais horas na Internet, a trabalhar ou estudar, do que em atividades de lazer. Mas, a percentagem dos que se ligavam à rede por lazer era de 82%, muito superior aos que a ela acediam para estudo ou trabalho. A internet constituía, também, uma porta de entrada para diversos interesses culturais:
“Pelo menos uma vez por semana, 35% dos inquiridos ouviram música a partir da Internet, 33% leram sites de notícias, 27% procuraram informações precisas, 16% fizeram buscas na Wikipédia e outras enciclopédias online e 15% procuraram informação sobre livros, música, cinema e espetáculos”.
A percentagem daqueles que, diariamente, preferiam ver filmes, séries e telenovelas na televisão era de 90%, o dobro dos ouvintes diários de rádio. Mas, os números críticos (chocantes!) desse estudo eram aqueles que se referiam aos hábitos de leitura.
A percentagem de inquiridos que não tinham lido um único livro impresso era de 61%. A maioria dos inquiridos “não beneficiou do estímulo à leitura gerado em contexto familiar”. A origem socioeconómico era determinante:
“Os mais assíduos leitores de livros eram os que tinham ensino superior, ou cujos pais o atingiram”.
Era muito elevada a percentagem daqueles que, na infância e adolescência, nunca tinham ido a uma livraria (71%), a uma biblioteca (77%) ou a uma feira do livro (75%), sendo alto, também, o número dos que nunca tinham recebido um livro (47%) ou a quem ninguém lera uma história, em criança (54%).
Era relevado que:
“Se [o inquérito] revela que quanto mais jovem se é e quanto mais elevadas as qualificações académicas dos pais maior é a probabilidade de ter usufruído, na infância e na adolescência, de experiências de contacto com o mundo do livro e da leitura espoletadas pelos progenitores ou por outros familiares, importa frisar que a maioria dos inquiridos ‘raramente’ ou ‘nunca’ desfrutou, até aos 15 anos de idade, da leitura de histórias e da oferta de livros por parte da família ou, inclusivamente, de um conjunto de práticas exodomiciliares como idas a feiras do livro, livrarias ou bibliotecas”.
O que teria isto a ver com a educação que se fazia nos idos de vinte?
Por: José Pacheco
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