Vidual, no primeiro dia do mês de março de 2042
Nesta cartinha, completo a transcrição da saborosa crônica do amigo Mauro, registro de fortes e boas impressões da visita a uma escola feita de “heroicos personagens”, que deste modo se expressavam, em demandas e ressalvas:
“A tutoria poderia ser à tarde? A mudança do horário da escola não foi totalmente favorável.
Algumas vezes, senti que o tutor não tinha disponibilidade, pois tinha outros afazeres.
Houve problemas, mas a tutoria foi muito positiva. Alguns colegas parecem não se adaptar à ausência de aulas, não aproveitam a liberdade para se desenvolver…
Outros professores poderiam se animar a se tornar tutores se conhecessem os resultados. Que tal se forem convidados a assistir às nossas apresentações?”
A escola onde o Mauro deparou com as primeiras práticas de tutoria era a Luiz Martini de Mogi Guaçu, no Estado de São Paulo. O meu amigo fora até lá para conhecer novas práticas, a experiência de tutoria realizada a par do chamado “ensino convencional”.
Tinham sido inúmeras as tentativas de “heroicos personagens”, todas elas coarctadas por uma administração educacional corrupta. Após vinte anos de infrutíferas tentativas, algumas dessas escolas retomavam o caminho da mudança e da inovação. E, desde 2018, a Luiz Martini saíra de “um estado física e psicologicamente precarizado, que chegara a registrar casos de violência e consumo de drogas por parte de alunos”.
Mauro descrevia “ganhos significativos da experiência como tutorando, a valorização própria e o exercício da autonomia”, pela voz dos jovens:
“Incrível é a gente poder falar e ser ouvido. Na tutoria, a gente se habitua a ser protagonista e assumir ganhos e perdas”.
Exemplo de como a liberdade cria possibilidades é a parceria entre duas amigas, com interesses distintos (em engenharia civil e em arquitetura), unidas num projeto comum para espaços subutilizados da escola. O resultado é uma planta em três dimensões consolidada em um vídeo:
“Conversei com minha amiga, numa ocasião que ela não estava tendo acesso ao tutor, e comecei a fazer as perguntas e questionamentos que ela faria! Quando percebi, estava sendo tutora também!”
Mas, no plano do valor pessoal, uma frase sintetiza todas as demais:
“Antes, eu pensava que precisava me formar para ser alguém na vida. Com a tutoria pude compreender que eu já sou alguém na vida!”
Desde há, mais ou menos, setenta anos, educadores éticos e resilientes, como a Fabiana, dedicavam as suas vidas à busca da melhoria da vida de crianças e dos jovens ao seu cuidado. Inspirados no exemplo de uma escola portuguesa, projetos surgiram em outros países e assumiram nova dimensão em terras brasileiras. Se, em Portugal, a Ponte fora votada ao ostracismo, ela ressurgia na Heliópolis de São Paulo, na Âncora de Cotia, na Peregrina de São José do Rio Preto, na Serra de Belo Horizonte, na Guido de Lajeado, na Hegésipo de Natal… e ressurgia, também, em Portugal.
Voltemos à crônica do amigo Mauro:
Na Luiz Martini, as instalações e as relações pessoais demonstravam vitalidade. Além da limpeza e da manutenção em dia, os espaços têm intervenções e contribuições dos estudantes. Arte nas paredes, horta coletiva, troca solidária, presença de voluntários, ex-alunos contribuindo com projetos culturais. Concluo que a Luiz Martini está viva e potente.
Essa escola estava viva. Mas, habitávamos um tempo em que muitos professores morriam aos vinte e só eram enterrados aos sessenta. E, nas catacumbas da administração educacional, havia zumbis empenhados em assassinar projetos como o da Luiz Martini.
Por: José Pacheco
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