Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCLXVII)

Marinha Grande, 5 de maio de 2042

Certo dia do maio de há vinte anos, apossou-se de mim uma estranha nostalgia, “um não sei quê, que nasce não sei onde, vem não sei como e dói não sei porquê”. Só sabia que uma inquietação me assaltara, quando a dita “revolução” fazia tantos anos quantos a Ditadura durara. E porque me pusera a fazer uma espécie de “balanço” de quase meio século de intenso labor pedagógico. O “deve e haver” se fizera negativo. Os insucessos superavam tímidas transformações. 

Quis saber onde paravam aqueles com quem estivera, antes da dita “Revolução dos Cravos”, e os encontrei. 

No auge da “revolução”, com eles partilhara a alegria de um alvorecer de liberdade. Com eles me envolvera na implantação do regime democrático. Militantes convictos, fomos para o chão das escolas, anunciando tempos novos para a educação.

Eu vinha do maio de 68. Tentava imitava as pisadas do Adolfo Lima, do Faria de Vasconcelos, do António Sérgio. Amigos exilados me deram a conhecer Agostinho da Silva. Tentava escapar do reino das abstrações, convertendo em imperfeitas práticas conceitos como cidadania, cooperação, autonomia e autogoverno na comunidade, gestão democrática, numa escola de estrutura ética. Sabia que educar ia além de distribuir informação. Buscava a forma perfeita de uma educação integral.

No início dos anos 70. o ministro Veiga Simão já recomendava aulas de tipo coloquial e a organização do trabalho escolar por projetos multidisciplinares. E, quando da engenharia me passei para o Magistério, discretamente, me fiz freinetiano clandestino. Se não possuíamos uma imprensa Freinet, do copiador de gelatina nos servíamos. E os primeiros jornais escolares (como aquele de que vos envio cópia) saiam das mãos das crianças para as mãos dos pais e para os olhos atentos de uma comunidade.

Nesse tempo, militante do Movimento da Escola Moderna, divulgava as técnicas que a Elise e o Celestin haviam engendrado, há meio século: a imprensa Freinet, a correspondência escolar, a assembleia, a classe cooperativa, os ficheiros autocorretivos… E o “Método Natural de Leitura” e a “aula-passeio” eram práticas comuns na Ponte. 

Na Escola do Carmo fiz o meu tirocínio, agregando uma diversidade de tendências. Juntei os materiais Montessori aos centros de interesse do Decroly. Recuperei a individualização do Dottrens e a juntei ao “learning by doing” do Dewey. Adaptei o personalismo do Mounier e o compatibilizei com a antroposófica euritmia do Steiner. 

Na Ponte, pude, enfim, conciliar tendências, metodologias e técnicas, ajudar a unir, constituir uma equipe e uma comunidade. Em trabalho de equipe, o “Fazer a Ponte” muitas pontes fez. 

Numa viagem a Portugal, voltei à Ponte por desejo de pais leais ao projeto, conscientes da necessidade de o relançar. Me ofereci para ajudar a retomar caminhos de mudança, que em outras escolas já iniciáramos. Rejeitaram a oferta. Impuseram silêncio e distância.

Tentei, também, dialogar com amigos de longa data, pessoas que eu muito estimava. Tinham optado pela carreira universitária, produzindo teoria jamais posta em prática. Desdenharam.

Caminhos paralelos dificilmente se encontram. Esses amigos discorriam sobre transição paradigmática, mas contribuíam para legitimar a manutenção do paradigma da instrução, ainda que disfarçado de “flexibilizações curriculares” ou pseudo-autonomias. Quando afirmei a necessidade de criar uma turma-piloto, esses amigos viraram obstáculos. 

No passado, eu fora para eles “uma referência”. Decorrido meio século me transformaram num “incómodo”. 

Por: José Pacheco

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