Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCLXXXIII)

Funchal, 21 de maio de 2042

Há uns trinta anos, o meu amigo Nóvoa redigiu o prefácio para um dos meus livrinhos. Dele extraí alguns excertos, que poderão esclarecer este meu hábito de vos enviar cartinhas. Deixo-o à vossa leitura. E vos peço que considereis exagerados, embora generosos, os encómios nele contidas. São gentilezas de amigo.

“Ao redigir estas 25 cartas, escritas no Brasil e para figuras que marcaram este país, JP tem uma intenção clara – recordar aos educadores do presente que não podem ignorar o patrimônio de ideias e experiências do passado

Desse modo, inscreve as suas próprias propostas educativas no tempo longo da História, evitando cair em modas ou novidades, sempre inúteis, sempre passageiras. 

Uma pergunta atravessa todas as missivas: por que é que falhamos? Por que razão não conseguimos pôr em prática os nossos ideais?

A pergunta é dura, inquieta-nos, desassossega–nos, mas tem de ser feita.

A adoção do gênero epistolar é muito interessante. Permite–lhe criar uma intimidade ficcional com autores falecidos e, por essa via, aproximar-se do leitor, torná-lo cúmplice das cartas que escreve. Define, assim, um espaço de jogo, entre ele, os autores e os leitores, chamando, uns e outros, para uma conversa sobre os caminhos e descaminhos da escola.

O exercício é feito com uma sensibilidade particular e convida cada leitor a assumir a sua própria responsabilidade pelas coisas da educação. As cartas adotam, invariavelmente, uma mesma estrutura: primeiro, a crítica, a indignação, a injustiça que cometemos ao não reconhecer um determinado legado; depois, a abertura, a esperança, a crença em novas possibilidades; no fim, um breve apontamento biográfico sobre o destinatário da carta. JP não nos fecha numa inevitabilidade, num discurso de lamentações resignadas, mas também não se deixa vencer pela ingenuidade ou pelas ilusões. 

Ao pôr-nos diante dos problemas, abre-nos portas, convida-nos a entrar e a descobrir que a escola não tem de ser sinônimo do modelo escolar inventado na segunda metade do século XIX e que perdura até os dias de hoje.

Sim, aquilo que designamos escola – com prédios escolares, salas de aula, quadro-negro (ou verde ou branco), mobiliário escolar, horários, alunos agrupados por nível etário, progressão por séries de acordo com avaliações e exames, etc. – é relativamente recente na história da humanidade, começou a difundir-se há pouco mais de 150 anos. 

Não é por acaso que a esmagadora maioria dos destinatários de JP nasceu, justamente, no período de invenção e consolidação do modelo escolar: o mais antigo é Alessandro Cerchiai (n. 1877), a mais nova, Maria Nilde Mascellani (n. 1931). Apenas escapam a esse critério três autores dos séculos XVI e XVII (os padres Manuel da Nóbrega, José de Anchieta e Antônio Vieira) e dois autores da primeira metade do século XIX (Antônio Conselheiro e Rui Barbosa). Todos os outros nasceram entre 1877 e 1931, isto é, naquele meio século em que o modelo escolar se transforma na única maneira de conceber e de praticar a educação das crianças. Como se não fosse possível educar de outro modo!”

Queridos netos, talvez volte a falar-vos do desvendar da “misteriosa” origem das cartinhas. Adotei o género epistolar por me proporcionar um distanciamento crítico e temporal, patente em outras missivas, enviadas entre 2040 e a atualidade. A sua publicação provocou a reação de leitores, que me interpelavam sobre os motivos de me dirigir a vós, em particular. Como se o diálogo entre avô e netos não se justificasse por si mesmo, ou não pudesse ser tornado público. Enfim!

Por: José Pacheco

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