Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCLXXXVI)

Vila Nova de Foz Côa, 25 de maio de 2042

O mês de maio de há vinte anos se passou num constante andarilhar. Acudi ao chamado de, cada vez, mais e mais famílias, escolas, professores. Acolhiam-me nas suas casas, tratavam o vosso avô com o maior carinho. Não me considerava merecedor de tantos cuidados, me comovia e assustava com tanta bondade à solta. E me preocupava com as expectativas em mim depositadas.

Na verdade, eu era apenas um trabalhador da educação igual a qualquer outro, um designer educacional. Mas, atravessávamos um período crítico na Educação. Para os alunos, a escola continuava “uma seca”. Para os professores, causa de “bournout”.

A minha amiga Tina perguntava-se:

“Como pode ainda haver escolas onde as crianças passam a maior parte do tempo em salas de aulas com carteiras enfileiradas? Eu sinto tristeza. Muita tristeza! Fico pensando nos danos emocionais, na baixa autoestima, no processo de anulação de identidade pela padronização das ações.

Lembro da brincadeira “o mestre mandou”. O mestre é o professor, ser de poder maior, que manda e todos obedecem. Só que na escola, essa brincadeira não acaba nunca, e por não ter fim, ela perde a graça, mas além da graça, as crianças perdem suas curiosidades, seus desejos e seus sonhos. Perdem a vontade de querer saber mais, pois escola é lugar de saber somente o que “o mestre mandou”.

Eram frequentes notícias como esta:

“Cerca de um terço dos alunos e metade dos professores tem sinais de sofrimento psicológico, revela o estudo Saúde Psicológica e Bem-Estar. A partir de setembro, os docentes vão ter formação sobre competências socioemocionais e autocuidado. E vão ser prorrogados os contratos de 1100 técnicos especializados, recrutados no ano passado. 

“Não é uma catástrofe nacional. É um período de vulnerabilidade”, conclui a coordenadora do estudo. Os dados dos docentes são preocupantes: “Um professor perturbado com 30 alunos à frente não vai conseguir fazer um bom serviço. Nem por ele, nem pelos alunos”.

Nos idos de vinte, também, eram frequentes notícias do andarilhar do vosso avô. Talvez as agências de notícias achassem exótico o meu discurso. Certo é que, volta e meia, lá apareciam referências ao “pedagogo e educador, fundador de alguns dos projetos mais icónicos (e controversos) da educação mundial como Escola da Ponte e Escola Projeto Âncora (sic)”.

O fato de, no passado, eu ter ajudado a fazer certos projetos, me havia conferido uma “auréola” de concretizador de inovações por outros apenas sonhadas ou teorizadas. Após décadas de ostracismo, a Escola da Ponte voltava a estar no centro das atenções, o Projeto Âncora e a Escola Aberta emergiam do limbo do esquecimento para ressurgir nas páginas dos jornais.

Em 2022, aquilo que me surpreendia era o fato de eu escutar e ler como novidade algo idêntico àquilo que eu dissera… em 1976. 

O périplo de 22 foi feito de felizes sincronicidades. Em Moimenta, conheci a mãe da companheira do meu irmão Rui. A Professora Rosa viajara, para me escutar, no interior mais interior de Portugal. No mesmo evento, a Ana de Celorico da Beira pediu-me que conversasse com o diretor do agrupamento de escolas, que o seu filho frequentava, para que uma “turma-piloto” lá fosse criada. 

No dia seguinte, em Foz Côa, a Alice me esperava, disponível para transformar e melhorar a escola dos seus filhos e dos filhos da Ana, da Daniela e de outras mães. A Maria viajou de Figueira, para celebrar o feliz encontro. Parecia que, finalmente e ao cabo de meio século, a Ponte era fonte de inspiração de novos e auspiciosos projetos. E foi a última vez que desesperancei.

 

Por: José Pacheco

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