Marinha Grande, 6 de julho de 2042
No julho de há vinte anos, andei por terras de Leiria e Marinha Grande, na companhia da minha amiga Andreia e de mães que sabiam qual a educação que mais convinha aos seus filhos e que a reivindicavam. Estávamos entrando num novo capítulo de saga da mudança e inovação. Instalava-se o diálogo onde, antes, apenas havia imposições.
Nesse julho de há vinte anos, eu concluía um longo périplo por escolas portuguesas, sentindo que, finalmente, algo de novo aconteceria. A Lia (neta de Agostinho da Silva) e o Alessandro viajaram para Portugal, para recolher imagens e depoimentos daqueles educadores que ousavam pôr em prática o legado do Mestre.
Dispúnhamos de produção científica e de práticas que provavam a possibilidade de uma escola que a todos acolhesse e a todos desse condições de realização pessoal e social, base da construção de uma sociedade solidária, justa e sustentável. O tempo da educação talvez tivesse chegado. Tínhamos tudo aquilo que era necessário: gente, projetos, esperança.
Eram decorridas seis décadas sobre a data em que Agostinho da Silva se encontrara com Darcy, em Brasília, para desenhar futuros. Ambos habitavam uma eternidade onde os imortais descansam de um intenso labor terreno. Decorrera meio século sobre o regresso de Agostinho à pátria europeia. E os sonhos que semeara se consumavam.
No início deste século, fiz a viagem inversa. Foi ao encontro do espírito, que habitava uma Faculdade de Letras idealizada com Darcy. Colaborei com a Cátedra Agostinho da Silva, segui os passos do Mestre, ora sentado debaixo da mangueira onde ele escrevia poesia, ora conversando com quem ele conviveu. Andei por lugares por onde a sua peregrinação pelo Brasil da educação o levou, acompanhando das suas sábias palavras, através das quais demonstrava que, mais importante do que educar, seria evitar que os seres humanos se deseduquem, pois “cada pessoa que nasce deve ser orientada para não desanimar com o mundo que encontra à volta”.
Agostinho sofreu as consequências da sua desobediência, melhor dizendo, da coerência, como atesta o seu credo pedagógico:
“A vida certa do mundo inteiro seria que cada um pudesse viver a sua vida e cada um dos outros pudesse ter esse espetáculo extraordinário de ver pessoas diferentes à sua volta e não, como tantas vezes acontece, sobretudo em pessoas que gostam de mandar nos países, achar que deve ser tudo igual, e quando aparece alguém diferente se ofendem, acham que está fugindo das regras, saindo da vida que deve ter”.
O Mestre acreditava sermos capazes de reencontrar o que em nós é extraordinário e que poderíamos transformar o mundo. Em vão pugnou por transformá-lo, por encontrar tratamento dos males da educação. Partira de Brasília, quando a pátria mãe andava distraída em tenebrosas transações e a ditadura levara Darcy ao exílio. Quis trocar o lema “ordem e progresso por liberdade e desenvolvimento”, mas não resistiu à visão de uma Universidade invadida a mando de tiranos.
Meio século decorrido sobre a sua despedida do Brasil, a educação da sua segunda pátria (ou seria a sua “mátria”?) continuava à deriva, perdida entre modas e reformas. Quem a poderia transformar não dispunha de poder e quem tinha poder não a transformava. Até que extraordinárias mulheres e mães fizeram com os professores e a sociedade despertassem de uma longa letargia.
O Mestre sabia que escolas são pessoas, comunidades feitas de pessoas, que aprendiam umas com as outras. E essas mães sabiam que o futuro anunciado por Agostinho era o tempo de preparar a nova educação dos seus filhos.
Por: José Pacheco
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