Rio de Janeiro, 11 de agosto de 2042
Nos idos de vinte, a corrupção moral e intelectual engendrava absurdos. No “novo normal”, uma professora comentou que a Malu era “demasiado criativa” e que sofria de “alegria excessiva”. Uma secretaria de educação reduziu os intervalos de 20 para 15 minutos. E um agrupamento de escolas passou de trimestre para… semestre – o “sistema de ensino” sofria os efeitos da Síndrome de Peter Pan e do Complexo de Wendy,
O psicólogo Dan Kiley dedicara-se ao estudo dessa doença, de um certo tipo de trauma comprometedor do desenvolvimento e da maturidade emocional. Caracterizava-se por um conjunto de comportamentos da parte de quem recusava deixar de ser criança. Tendo renunciado à criança grande, que todos poderiam conservar em si, os pacientes viviam como imaturos infantes.
Era uma imaturidade de natureza psicológica, social, sexual, associada a comportamentos narcisistas, de dependência e de irresponsabilidade. Postos perante um qualquer problema, colocavam a culpa em outrem.
O complexo de Wendy poderia ser identificado em mulheres que manifestavam uma preocupação excessiva pelo bem-estar de alguém, acompanhada de sentimentos de medo de rejeição. Eram pessoas super-protetoras, figuras maternais geradoras de imaturidade masculina: a Síndrome de Peter Pan.
Estas e outras síndromes se manifestavam na crítica de um “sistema” que oscilava entre fantasiosas “alternativas” e extasiantes (mas, também, anestesiantes) discursos.
Nos idos de vinte, alguém se lembrou de futurizar, num artigo com o título “Um mundo sem Escola”:
“O António olha para o calendário familiar eletrónico no plasma da cozinha: 7 de fevereiro de 2053. A agenda digital com o seu programa semanal indica que, nessa manhã, tem ginástica e badmington. A mãe está na sala de reuniões do armazém coworking. E o pai, a teletrabalhar.
Depois de décadas de reflexão, os governos mundiais foram concluindo que a Escola já não servia. O número de professores era cada vez menor, o desinteresse e a indisciplina atingiam níveis impressionantes.
Em 2037, a Finlândia decretou o encerramento das escolas. Em junho de 2040, terminou a atividade da última escola no nosso país. Os primeiros anos da década de 40 foram de muita incerteza, porque as alternativas eram difíceis de pôr em prática.
Todos os dias, às 22h, os aparelhos informáticos se desligavam automaticamente.”
O texto se alongava, num misto das descrições de Chaplin e de Orwell. Entretanto, de uma amiga recebi um artigo de que transcrevo alguns excertos:
“As escolas precisam ser reconhecidas como espaços de produção de conhecimento. O projeto de cada escola é definido coletivamente. Estudantes, professores e comunidades formam-se colaborativamente no enfrentamento dos problemas reais, criando inovações.
A pandemia pode ser um vetor para a transformação, na medida em que a longa suspensão da estrutura da educação escolar – sua forma de organizar os tempos, espaços, relações – promoveu experiências novas e aprendizagens significativas sobre o uso pedagógico das novas tecnologias, aproximou equipes escolares das famílias.”
Aprendizagens significativas? Nesse tempo, nem os projetos eram definidos coletivamente, nem se trabalhava colaborativamente, embora algumas exceções confirmassem a regra. Apenas havia notícia de iniciativas paliativas confundidas com “inovação”, que não afetaram o “normal funcionamento das escolas”. Passada a crise, todo mundo voltou para a “estrutura da educação escolar”.
Experiências novas? Onde teria a minha amiga visto isso?
Por: José Pacheco
323total visits,6visits today