Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MII)

Jaconé, 20 de setembro de 2042

Há muitos anos, visitei uma escola secundária (ou de “ensino médio”, como se dizia no Brasil), que vivia em estado de sítio. Fui até essa escola, correspondendo ao apelo de um grupo de professores, qual pronto-socorro de projetos, exercendo solidariedade no interior de um país de brandos costumes. Cheguei a tempo de assistir a um episódio que correspondia a outras situações antes descritas pelos professores com quem trocara correspondência. 

Quando entrava, quase fui atropelado por professoras em louca correria. Outras estavam “perfiladas de medo”, coladas às paredes dos corredores, enquanto por elas passavam hordas de furiosos jovens. 

Quando consegui estabelecer diálogo com uma das ofegantes colegas, fiquei sabendo que ela tinha acabado de retirar a sua viatura incólume do parque de estacionamento da escola, mas que outras não tinham tido sorte, pois os seus carros ficaram com vidros partidos, por efeito de pedradas. 

Gerara-se confronto entre gangs de alunos. E até mesmo um policial, que interviera na refrega, havia ficado sem a sua pistola. A escola vivia num caos permanente. 

Quando a tempestade pareceu amainar, entrámos para uma sala. Conversámos. As professoras disseram que a escola dispunha de um regulamento disciplinar, mas que eram frequentes as repreensões, as faltas disciplinares, os processos disciplinares, as suspensões temporárias e até mesmo a expulsão de alunos. 

Respondi que não era isso que eu pretendia saber. E perguntei se as faltas disciplinares e as expulsões resolviam o problema. 

Gerou-se alguma perplexidade. Perguntaram-me se eu estava ali para ajudar, ou para criticar. Acalmei as hostes e insisti na ideia de analisar o “estatuto disciplinar do aluno” que, entretanto, alguém tinha ido buscar ao gabinete da direção. 

Li-o. Era um repositório de proibições. Quase todas as alíneas começavam pelo advérbio “não”. 

Os professores assentiram que os alunos não tinham participado na redação das regras. Mas…

“O que é que os alunos têm a ver com isso?” – inquiriu uma professora mais exaltada. 

“Tem tudo!” – ripostei, com algum cuidado, pois o ambiente estava muito tenso – “Se os alunos não participam na elaboração de um regulamento, dificilmente o compreenderão e muito menos o hão-de cumprir.”

“Isso é tudo treta, colega! Vê-se bem que não trabalha nesta escola! E eu não estou disposta a perder mais tempo!” – e dali se foi resmungando. 

Pedi às que ficaram que lessem a primeira alínea do regulamento disciplinar. Leram: 

“Não podes fumar no WC”. 

Perguntei:

“Se algum jovem ler esta proibição, como reagirá? Certamente, irá desobedecer, irá fumar no WC, nem que seja só para vos aborrecer. É, ou não é?”

Por ali fiquei mais de três horas, escutando professoras que, confiando na minha discrição, desocultaram fatos que pareciam extraídos de um qualquer filme de terror: um aluno do décimo ano apontou uma navalha à professora; outra professora foi encostada ao fundo da sala e, não fora a intervenção de um colega, arriscar-se-ia a ser violada. E mais não conto, porque julgareis inverosímil a narração. 

No fim da reunião, fui dizendo às professoras que, para o médico, o problema não era o doente, mas a doença. E que o mesmo se aplicava ao professor: o problema não era o aluno. Se um aluno denotava desajuste e comportamentos “disruptivos”, ou o aluno estava doente, ou estava doente a escola. Ambos padeciam de uma enfermidade que urgia diagnosticar e sanar. E isso não se conseguiria com recurso a proibições e sanções – uma ferida profunda e gangrenada não se curaria com pensos rápidos.

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