Rio Vermelho, 13 de outubro de 2042
Educadores lamentavam a vergonhosa campanha eleitoral de vinte e dois. O Brasil era um país de povo bom e justo, que teria de medir o tamanho da corrupção, para escolher os seus governantes.
Quem produzira esses bonsais humanos? Quem os teria feito assim?
Os pais e os educadores assim os fizeram.
Só uma diminuta reserva moral de políticos não contaminados pelo vírus da corrupção confirmava que a democracia continuava sendo o pior de todos os sistemas com exceção de todos os outros.
Estrangeiro impotente face ao tamanho da mentira, quando a Internet me trouxe imagens de uma professora a fazer a saudação nazi em sala de aula, encontrei refúgio nas metáforas que, nesse tempo, vos ofereci. Catei algumas no baú das velharias e vo-las envio. Perderam atualidade, por ação de uma nova geração de educadores, que nos devolveram um Brasil fraterno e inauguraram tempos de bem-estar.
Talvez vos faça bem reler palavras de acalento. São parte da minha herança, se alguma herança vos deixo.
Quando, depois de extintos os ecos do tempo da história, os homens acederem à era do espírito, hão-de entender a fragilidade dos paradigmas que sustentavam as suas ciências. Hão-de reconhecer como aparentes as suas imutáveis realidades. Hão-de reconhecer a falsa moral das suas histórias, se comparada com a doce amoralidade dos pássaros.
Quero que saibais que, quando os homens acreditavam ser o seu mundo plano e limitar-se aos mediterrânicos limites, já os pássaros sabiam ter o planeta forma arredondada, por o terem sobrevoado de lés a lés.
No tempo em que os homens criam ser o centro do mundo e viam abismos e monstros na linha do horizonte, os pássaros redefiniam zénites e provavam que o espaço é ilimitado como a música e os sonhos.
Onde, antigamente, os homens idealizaram um céu de vida eterna para os seus eleitos, havia pássaros. No lugar onde imaginaram situar-se o trono dos seus deuses, não havia uma “pomba estúpida” à medida dos seus medos, mas o espírito dos pássaros.
Quando os desvendadores dos segredos dos mares atingiram novos mundos, encontraram pássaros. Quando os homens voaram até à Lua e dela contemplaram o planeta azul, compreenderam que o azul que os separava do imenso e negro espaço não tinha segredos para os pássaros que, há séculos, o habitavam.
Quando os astrónomos, espreitaram através de potentes telescópios,penetrando distantes galáxias e confirmando a antiga predição de que o que está por baixo é igual ao que está no alto, viram pássaros invisíveis pousados no asteróide B 612.
Parece que sempre assim foi. Mas, para que pudésseis amar o ir à escola, muitos foram os pássaros que sofreram a dor de um tempo em que as gaivotas se condoíam de ver jovens pássaros amontoados em celas de betão, vigiados nos mínimos gestos.
Por mais inverosímil que possa parecer, era mesmo assim, queridos netos. A infantil curiosidade acabava desfeita em submissões. Mas, como disse, as estórias acabam como nós quisermos que acabem.
Quando o vosso avô descobriu como ensinar a ler emancipandoos, os meus jovens alunos desvendavam mistérios e ousavam pôr asas na imaginação, inevitavelmente, se confrontaram com a perfídia de tempos sombrios, a mesma perfídia com que as gaivotas se confrontaram, no tempo em que nascestes.
Mas não deixeis de acreditar. Acreditai sempre. Ainda que vos acusem de loucura, vos apelidem de utópicos, não vos quedeis na amargura de ninhos desfeitos, nem espereis a compreensão dos homens. Buscai a sabedoria dos pássaros. Deixai fluir a torrente dos dias invulgares, que virão de muito dentro do que sois.
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