Itapeba, 20 de outubro de 2042
E dei por mim a cantar o que o Rui cantava:
“Ai, Senhor das Furnas, que escuro vai dentro de nós… Soletrar, assinar em cruz, não ver os vultos furtivos, que nos tramam por trás da luz”.
E me pergunto: o que me impele a voltar a falar de mentira, de sombras, de aparências, de vícios privados e públicas virtudes? E o que terá isto a ver com o meu mau hábito de educador de, judiciosamente, comentar costumes? O que terá a ver com Educação a situação nada original, que se vivia no Brasil das eleições de vinte e dois?
A mentira andava à solta nas redes sociais, mas o mesmo acontecera em outros momentos históricos. Por exemplo, um personagem trágico de nome Goebbels ajudara a eleger Hitler usando dos mesmos meios. Após a chegada ao poder pelos nazistas, Goebbels rapidamente ganhou controle sobre a mídia de notícias e informações. O princípio básico da sua atuação era o de que uma mentira várias vezes repetida assume estatuto de verdade. Quando a guerra chegou ao fim e o povo alemão deparou com a dura realidade, Goebbels e sua esposa cometeram suicídio, depois de terem envenenado os seus seis filhos com cianeto .
A Educação teria algo a ver com o fenômeno da propagação da mentira? Talvez! Não por acaso, Goebbels obtivera o grau de Doutor em Filologia pela Universidade de Heidelberg. Também, frequentara a Universidade de Würzburg, a Universidade de Freiburg, a Universidade de Bonn… acumulara diplomas, aprendera a mentir, era a manifestação perfeita da escola da juventude hitleriana.
Foi vergonhosa a campanha eleitoral de vinte e dois – truncagem de vídeos, manipulação de informação, trechos de afirmações descontextualizados. A devastadora mentira alterara a constituição do caráter, da personalidade, da consciência coletiva. Provocara retrocesso político e social, o encolhimento de uma nação.
O Joelmir caraterizava deste modo a situação:
“Somos um país forjado na herança colonial escravocrata, numa subserviência histórica impregnada nos próprios símbolos nacionais.
Diferente do que nos é ensinado na escola, o verde de nossa bandeira vem do escudo da família real de Bragança, enquanto o amarelo era a cor da casa de Habsburgo da imperatriz Leopoldina.
Se considerarmos que essa adoecida base de valores e crenças, que emergiu dos esgotos durante os últimos anos, já estava entre nós e deita raízes mais profundas do que normalmente enxergamos, fica evidente que não será tarefa fácil reconstruir esse país. Precisaremos de um grande esforço coletivo e pedagógico, de diálogo e de uma dose especial de paciência impaciente.”
A Educação desse tempo era mesmo uma enorme mentira. A crise instalada na escola pública já afetava a escola de iniciativa privada. Havia colégios, que cobravam milhares de reais de mensalidade, mas que já admitiam ter mentido, enganado as famílias, ao prometer “educação de qualidade”. Havia escolas particulares que recomendavam aos pais dos alunos “aulas de reforço” pagas a sessenta reais por hora. E até havia famílias que pagavam quarenta reais por hora a professores que “acompanhavam os seus alunos nos trabalhos de casa”… feitos na escola.
A situação era mais grave do que poderia parecer. Nos anos que se seguiram ao das eleições, despendemos um grande esforço, para reparar os estragos. Os professores da escola prussiana estavam órfãos de verdade, embora não lhes crescesse o nariz.
Porém, passados tempos sombrios e como profetizara o amigo Rubem, ousaram penetrar na verdade dos mundos existentes no mais íntimo dos seus alunos, reinventando uma escola de “pinóquios às avessas”.
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