Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MXLVIII)

Cuiabá, 8 de novembro de 2042

Querida Alice, querida Marcos, hoje, irei interromper a contação de estórias da história da Ponte, pois acordei com vontade de vos falar de um incidente ocorrido em meados dos anos oitenta.

Levaram-me até uma cidade a norte de Londres, onde decorria um grande congresso. Portugal mostrava a melhor educação que tinha (e que, internamente, o ministério tentava destruir). Estávamos em plena fase de adesão à Comunidade Económica Europeia, a CEE, que passaria a chamar-se União Europeia.

Os países ali representados mostravam aquilo que, já nesse tempo, diziam ser inovação. 

Essas “inovações” não passavam de vãs tentativas de melhorar um sistema falido. Por ali desfilavam arquitetos e as suas “escolas do futuro”, que não passavam de “elefantes brancos” prédios do passado reciclados. Escutei “especialistas” de tudo, lendo transparências de retroprojetor (ainda não havia computador e powerpoint). E tudo tão maçador, tão “deja vu”!

Quando chegou a minha vez, pouca vontade eu tive de falar da Ponte. Também porque os professores europeus não iriam acreditar que, na periferia do continente, uma escolinha que não constava dos livros de história da educação concretizara aquilo que eles apenas em teoria apresentavam.

Se, na Ponte, partíamos de perguntas para a construção de conhecimento, de igual modo eu agia em situações como aquela – começava por perguntar “O que quereis saber?”

Tive como resposta o habitual silêncio. Mas, nessa manhã, foi breve o hiato entre a minha pergunta e a reação de um palestrante. No dia anterior, passara por uma desagradável situação protagonizada por esse palestrante. Disse não acreditar no que eu dizia. Foi arrogante, sarcástico, até ousou comentar o meu modo de falar inglês. 

Tentei fazer-me desentendido e atirei mais uma pergunta. Por que seria a língua inglesa a língua oficial dos congressos? 

Não vos descreverei o despropósito que se seguiu, apenas o final. 

Afirmou que eu não deveria perguntar o que ele queria saber, mas que eu deveria expor a “mentira” contada no dia anterior… “Num inglês que ele entendesse”.

Contive-me perante aquela manifestação de arrogância. Mas o arrogante não ficou sem resposta. Perguntei:

“O colega sabe falar português?”

“É claro que não… of course!

“O colega já foi a Portugal? Convido-o a ir até lá e visitar a minha escola. Mas fique sabendo que a língua oficial por lá é o português.”

“Por que diz isso… why?”

“Porque passarei a falar inglês na Inglaterra, quando o colega falar português em Portugal”.

Quando o Chalita se interessou pelo trabalho desenvolvido na Escola da Ponte e na Escola do Projeto Âncora, a minha amiga Emília era vice-secretária. Reunimo-nos e preparamos um protocolo de colaboração, que os burocratas instalados na secretaria, de imediato, inviabilizaram. 

Alguns anos depois, escutei a Emília dizer ser necessário tomar uma decisão ética, que encurtasse a grande distância entre o discurso e a prática. Invocava Freinet, que destruíra e queimara um palco para ele preparado, um palco que distanciava. Os burocratas das secretarias, tal como o professor inglês, não sabiam que sofriam de “palco mental”.

Durante a “era dos extremos”, que foi o século XX, o mundo capitalista pautou-se por um ideal de homem autônomo, porém muito pouco solidário. No século XXI, um modelo educacional hierárquico, autoritário, ainda mantinha os professores instalados num “palco mental”, embora o artigo 30º da Constituição isto estipulasse: “construir uma sociedade livre, justa e solidária, reduzir desigualdades, promover o bem de todos”. 

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