Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MLXXXV)

Samambaia, 25 de dezembro de 2042

Embora talvez vos custe acreditar, existe um bichinho que nasce, vive e morre dentro de uma bromélia. A bromélia é o seu berço e o seu túmulo.

A semelhança com a platônica caverna não é mera coincidência. Nos idos de vinte, havia gente “encaixotada”, que se dizia “fora da caixa”. Não ousavam seguir o rasto de luz que, de fora da caixa, lhes chegava. Padeciam de uma cegueira moral, de que Bauman nos falara, uma cegueira ética, a cegueira daqueles que podendo ver, optam por recusar ver. A cegueira social, com que Saramago apelava ao dever moral daqueles que enxergavam.

Tal como o bichinho da bromélia, havia educadores que não se interrogavam. Muto menos interrogavam o mundo. e mal não viria ao mundo, se esse viver “dentro da caixa” não aportasse prejuízo.

Mas, essa cegueira crônica foi funesta. Ao longo de dois séculos, os voluntários e inconscientes cegos impediram que uma nova construção social surgisse, que a Escola se redimisse de velhos pecados e que o direito à Educação a todos fosse assegurado.

Apesar do meu estrabismo, ou talvez por via dele, dado ver o mundo “fora da caixa”, sempre acreditei na possibilidade de fazer chegar alguma luz ao fundo da caverna. Para lá lançava perturbadoras perguntas, pois uma pergunta contém muito mais do que uma interrogação, porque comunicar é produzir e partilhar conhecimento. Desde muito cedo, havia descoberto que os professores tinham mais certezas do que interrogações e, mesmo nonagenário, ainda pergunto:

Por que se aprende?

O que se deve aprender?

Quem aprende?

Quem ajuda a aprender?

Quando se aprende?

Com quem se aprende?

Do que se precisa para aprender?

Onde se aprende?

O que é preciso aprender?

Como se aprende?

Como saber que se aprende?

Na minha vida de professor, nunca me cansei de perguntar. Por exemplo:

Por que existe segmentação em série, ano, ciclo?

Por que se divide o ano letivo em bimestre, trimestre, semestre?

O que é um ano letivo? Por que há “ano letivo”?

Por que são precisas classes de recuperação, aceleração, a EJA?

Se foram criadas classes de recuperação para aqueles que “não acompanham o ritmo da aula”, não haverá necessidade de criar classes de freiação para frear aqueles que são mais letos a aprender?

Por que há sala de aula?

Por que é que uma aula dura 50 minutos?

Cinquenta minutos para qual aluno?

Por que há turmas e subdivisão por escalões etários?

Alguém saberá dizer-me por que há banheiro de professor separado de banheiro de aluno?

Ninguém dava resposta a estas e outras perguntas.

“Está na lei.” – diziam alguns.

Por que está na lei?

O silêncio era a resposta. Ninguém sabia fundamentar “porque estava na lei”. Muito menos se sabia fundamentar cientificamente outros absurdos. Da ausência do sentido da visão, de que padeciam voluntários cegos, resultava uma Escola sem sentido.

Quando o vosso avô andava pelas escolas, incentivando nos professores o hábito de questionar e a prática de uma comunicação dialógica, começava por perguntar aos seus alunos:

“O que queres saber?”

E me desgostava ouvi-los responder com outra pergunta:

“Eu posso dizer o quero saber?”

Eram crianças de tenra idade, mas já padecendo de não perguntar. Anos a fio, em sala de aula, tinham escutado respostas a perguntas que jamais fizeram, tinham desaprendido de ser, por serem proibidos de se perguntar.

Desde há mais de meio século, apenas uma resposta escutei:

“Está quase a chegar uma “Educação do Futuro”.

Nos idos de vinte, essa mítica “Educação do Futuro” teimava em “não chegar”. E eu lançava mais uma pergunta.

Por que não fazer essa “Escola do Futuro”, no presente?

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