Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MLXXXVI)

Capão Seco, 16 de dezembro de 2042

Vai para uns cinquenta anos, o vosso avô foi convidado para uma entrevista na televisão portuguesa. Eram frequentes as reportagens sobre a nossa escola, por ser “novidade”, objeto de curiosidade.

Aquele era um programa de grande audiência, idêntico a tantos outros em que havia participado, por décadas. Mas, durante essa entrevista, precisei de explicar, tim tim por tim tim, o porquê do projeto. Pela milésima vez, me fizeram dar respostas a perguntas iguais a tantas outras.

“Então, na Escola da Ponte, as crianças fazem o que querem?”

“Não fazem o que querem. Querem fazer aquilo que fazem.”

“Mas, se eles não fazem prova, vão passar no exame para entrar na universidade?”

“Uma prova quase nada prova. E todos os nossos alunos, que fizeram esse exame foram aprovados.”

“Por que é que a Escola da Ponte não tem sala de aula? Todas as escolas têm.”

“Se todas as escolas têm, deveriam não ter, pois quase nada se aprende em sala de aula.”

E aí vinham as perguntas-perplexidades. E lá vinha o “acho que”… E eu rematava com a notícia de que a Ponte havia sido distinguida com o Primeiro Prémio no concurso de projetos inovadores organizado pelo Ministério da Educação.” Surpresa!

“Então, o ministério aceita o vosso método?”

“Não se trata de um método.” – como explicar para uma plateia ululante a componente técnica, a base científica? – “O ministério não só aceita, como tenta destruir.”

“A vossa escola está dentro da lei?”

“Sim, está. Porque a todos garante o direito à educação, a uma boa educação.”

“Então, isso quer dizer que as outras escolas…”

“Sim, estão fora da lei” – resolvi a hesitação do entrevistador – “e com o beneplácito ministerial.”

“E se você fosse ministro da educação?”

“Só se não tivesse juízo” – respondi. E ele insistiu.

“Mas, não há ministros bons? O que é um bom ministro?”

“Bom ministro será aquele que nada fizer, porque não fará besteiras (asneiras).”

“Mas, se fosse ministro, o que faria?”

“Tomaria um só medida. Publicaria um decreto com um único artigo: “Extinga-se o Ministério da Educação.”

Por que vos conto tudo isso? Porque, no Brasil de há vinte anos, tive o desprazer de reencontrar. um ministro de má memória, que muito mal causou à Ponte e ao sistema educacional português.

Gente brasileira desavisada convidou-o para um evento em que o vosso avô, também, participou. E ei-lo que atravessa o oceano, para comentar absurdos rankings e palrar sobre o que chamou de “ensino exigente”.

Comecei a minha “palestra” como sempre fizera, perguntando:

“O que quereis saber?”

Também como sempre sucedia, ninguém disse o que queria saber. E eu testei o “facilitista”, invocando a Ponte. Reagiu como o diabo diante da cruz. Saltou da cadeira e se foi – coragem e capacidade de diálogo não faziam parte do seu caráter. Só voltou à sala, quando o anunciaram como palestrante.

O seu discurso demonizava a mudança e a inovação. Mas, não abandonei o auditório. Heroicamente, aguentei o suplício. Respeitosamente, esperei pelo fim da palestra, para o interpelar. Deveria haver o habitual “tempo para perguntas e respostas”. Mas, o palestrante furtou-se às perguntas, mostrou um último slide com a palavra “Obrigado” e saiu do palco.

Era Inacreditável que aqueles que aplaudiam a criatura fossem os mesmos que me tinham aplaudido. Tal como eu, uma pequena parte da plateia não aplaudiu a miserável palestra. À saída, falaram comigo. Outros enviaram-me mensagens lamentando a ocorrência. E perguntavam: “Ele foi ministro? Não acredito!”

Amanhã, se vós quiserdes, vos falarei dos disparates que dele escutei. Não cabem nesta cartinha.

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