Iracema, 2 de fevereiro de 2043
Que me perdoeis o vício, mas cá vai mais uma cartinha, que podereis considerar maçadora. Evito usar jargão “científico”, porque, frequentemente, ainda serve para disfarçar a ignorância. Porém, tentando usar de uma “linguagem de gente”, na intenção de que todo mundo entenda, posso simplificar demasiado e cair em simplismos. Em suma: tereis de me aturar neste exercício de “fundamentação”.
No fevereiro de há vinte anos, partíamos para aquele que foi o último dos processos formativos em que me arroguei formador. Partimos da definição de valores e princípios. E do princípio básico que nos dizia ser garantia de perenidade dos projetos a sua fundamentação legal e científica.
Quando retomamos o processo formativo e o contato com os núcleos de projeto, a primeira medida que tomamos foi a entrega à administração educacional de minutas de “termos de autonomia” (contratos de autonomia, em Portugal). Isso mesmo: a autonomia seria condição sine qua non de continuidade dos projetos.
Se o “sistema” impunha regras do jogo viciadas, reinventámos as regras, em coerência com a lei e com os dados de uma ciência prudente. Em 2043, também me preocupo com o refazer da memória de êxitos e perdas. Por isso, vos contarei algumas estórias deixadas por contar.
Decorria o ano de 2019, quando as conclusões de um relatório de um GT ministerial apontou a existência de 178 projetos potencialmente inovadores. Em 2017, a Secretaria de Educação do Distrito Federal. já havia inovado, criando a “Comunidade de Aprendizagem do Paranoá”. Porém, os tempos sombrios, que se lhe seguiram, deitaram por terra aspirações de mudança.
Do fundo do baú das velharias retirei um documento desse tempo, contendo as intenções do projeto: a melhoria da qualidade da educação, a erradicação do analfabetismo, a sustentabilidade socioambiental, a promoção da gestão democrática e da cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamentava a sociedade.
A intenção maior era a de desenvolver um projeto de criação de uma rede de núcleos de projeto de comunidade de aprendizagem, que promovesse uma boa qualidade da educação, com potencial de difusão em rede. Até à demissão do secretário, lançamos as bases de novas construções sociais de aprendizagem. Depois, gentinha de baixa estatura moral e ética (não poderemos chamar-lhes professores) servindo obscuros interesses, prestaram-se a fazer serviços sujos. Disso vos hei-de falar.
Nesse tempo, apresentou-se como necessário fundamentar o processo de identificação de potenciais inovações, porque organizações mistificadoras faziam da inovação um saco sem fundo. Propusemos diálogo, o debate sobre critérios identificadores de inovação. Recomendamos alguns: o ineditismo, a utilidade, a sustentabilidade e uma replicabilidade instituinte.
Repensamos as comunidades como locus de educação integral, e lhes juntamos referências de planejamento de cidades. A possibilidade de organizá-las do ponto de vista da educação era preconizado na carta de princípios das Cidades Educadoras. E os muros que cercavam as escolas não eram apenas barreiras físicas. Por via de um modelo educacional hegemônico, eram a expressão de incapacidade de criar integração territorial.
Nos “territórios educativos”, não havia o “dentro e o fora”, nem o preceito comeniano de “levar a escola para debaixo da árvore”. Nem seria aconselhável “levar a escola para a comunidade”, ou “levar a comunidade para a escola”. A partir da criação dos círculos de aprendizagem, a escola passava a ser um nodo de uma rede.
Por: José Pacheco
331total visits,4visits today