Rio de Janeiro, 12 de fevereiro de 2043
Disseste que, na cartinha de ontem, eu parecia estar eufórico. Pudera! Eu invocava o dia em que começava a contagem decrescente para a erradicação de um modelo educacional perverso. Por duzentos anos reproduzido, na Família, na Sociedade e na Escola, devastara a Terra e desumanizara os terráqueos.
Podereis pensar que eu esteja a caluniar esse modelo, ou a exagerar na crítica que dele faço. Mas é a mais pura verdade, embora houvesse quem não se desse conta da tragédia. Aconteceu há vinte anos, mas sinto-o como se agora ocorresse. E considero que tal fato ainda merece ser celebrado.
No fevereiro de há vinte anos, despedi-me da Fernanda com a certeza de que voltaria para acompanhar de perto o nascimento das primeiras comunidades de aprendizagem baianas. Combinei com a Dilza voltar em julho. E preparamos com esmero mais um regresso a lugares onde se humanizava a educação.
Atravessamos o rio na companhia de um jovem aluno de “ensino médio”. Todos os dias, ele atravessava o rio, para se juntar à sua “turma”, entrar numa sala de aula e ouvir a lição do dia transmitida pela televisão. Depois, voltava para casa, na outra margem do rio.
“E se ficasses com dúvidas, ou não tivesses compreendido a lição, havia alguém na sala de aula que pudesse esclarecer, ensinar-te?”
“Havia uma pessoa na sala de aula, mas ela só vai lá para ligar e desligar o aparelho de televisão. E para manter a disciplina. Essa pessoa não sabe ensinar.”
Mal sabia aquele jovem que, naquele tempo, havia quem acreditasse que, dentro de uma sala de aula do “ensino médio” se aprendia. Nos gabinetes dos ministérios e das universidades, ainda havia quem debatesse o “novo ensino médio”, tão velho e obsoleto como aquele que o jovem da travessia do rio sofria.
Quando, na qualidade de professor, adentrei lugares onde, supostamente, se fazia formação de profissionais do desenvolvimento humano, levei um susto. Deparei com salas de aula, “cargas horárias”, “grades curriculares” ao estilo prussiano.
A Escola da Ponte já era objeto cultuado. E eu satisfazia a curiosidade de alguns professores, que buscavam explicação para a “crise”. Os restantes (a maioria) nem queria ouvir falar da Ponte. A minha escolinha era para eles um incômodo.
Na semana que se seguiu ao encontro com o jovem da travessia do rio, os núcleos de projeto se consolidaram, a leitura atenta dos projetos das escolas permitiu encontrar discrepâncias entre teoria e prática, tudo ficou pronto para a elaboração dos primeiros roteiros de estudo.
Essa azáfama contrastava com a normose patente nas mensagens trocadas por acadêmicos em redes sociais em que o vosso avô participava. Os seus depoimentos eram exercícios de uma escrita sensível, reflexos de uma tomada de consciência do destino da escola e da necessidade de a humanizar. Falavam do ofício de professor universitário e das marcas que esse exercício imprimira nas suas vidas e nas dos seus alunos.
Mesmo exercendo o seu múnus profissional num tempo em que não tiveram que competir com máquinas inteligentes, não ficaram imunes à crise da obsolescência de valores e à necessidade de transformação da educação. Observava a sua decepção com a falta de interesse dos alunos, que assinalava o agravamento de uma crise de relações humanas e anunciava a falência de um determinado modelo de sociedade e de escola. Porém, quando tentavam melhorar o “ensino médio”, contribuíam para a manutenção desse modelo.
Dirigimos-lhes um fraterno convite, para que participassem da criação de uma nova construção social.
Vos direi qual foi a sua reação.
Por: José Pacheco
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