Nova Friburgo, 25 de fevereiro de 2043
“Boa tarde, José!
Regresso a este ponto do nosso contacto, nele retomo o caminho e conto contigo para prosseguir.
Nos últimos dois anos, estive a trabalhar como tutora online numa comunidade de aprendizagem. Durante esses dois anos, acreditei que era possível colocar em prática uma mudança, uma nova abordagem, uma nova educação: através da tutoria, metodologia de trabalho de projeto, aprendizagem à distância. Três fatores que, conjugados, poderiam dar errado. Na verdade, até deram certo.
Neste momento, a “comunidade” sofre mudanças fortes nas suas fundações. Quem trazia a visão pedagógica do projeto afastou-se. Desde então, sinto que o projeto está entregue a um conjunto de pessoas desesperadas por satisfazer as suas próprias necessidades de (in)segurança (não as das crianças).
Por outro lado, os atuais “administradores” fazem pressão sobre os restantes colaboradores, para que a comunidade vá no sentido que eles próprios desejam, só porque estão entusiasmados com a quantidade de crianças que estão em lista de espera para entrar (pondo a hipótese de “oficializar” a escola).
Sinto que, neste momento, estou na comunidade sem que o meu trabalho seja valorizado (ou sequer visto!) e que já não me encontro num local seguro onde possa aprender o que é educar em comunidade.
Nesta mudança, fico tentada em arregaçar mangas e aplicar aquilo que tenho aprendido/lido sobre comunidades de aprendizagem. Mas, sinceramente, penso que acima de um conjunto de passos a executar estão as pessoas: estas é que devem resultar, para as receitas fazerem sentido.
Neste caso, acho que do lado de lá não há quem queira aprender em comunidade: apenas quem queira “governar” uma comunidade de pais insatisfeitos e aumentar a entrada de crianças.
Continuo a achar que tenho perfil para trabalhar com as crianças de uma forma mais aberta, genuína, próxima, relacional e menos focada em outros objetivos (exames, conteúdos, prazos, notas…). É esta a minha forma de ver a educação, neste momento, e me satisfaz poder vê-la concretizar se.
Contudo, preocupa-me que estas “comunidades da moda” esmaguem a nossa educação e retirem todo o potencial que a aprendizagem em comunidade tem. A nossa democracia e os nossos valores podem até estar, de certa forma, em risco.
O e-mail vai longo e ajudou-me a refletir sobre alguns aspetos contigo. Não preciso de resposta, se assim entenderes, mas achei que podia partilhar a minha visão em experiência e contribuir para o “state of the art” das alternativas à educação portuguesa.
Talvez não seja novidade para ti. Quanto a mim, adoraria poder, finalmente, fazer parte de uma comunidade de aprendizagem onde os nossos valores de democracia a sustentassem e que significasse uma boa aposta para aqueles que pretendem ver na prática uma diferente (mas possível) forma de educação.
Será realidade, ou utopia?”
Respondi à Mariana que era realidade e utopia. Seria preciso partir de projetos reais e dos “desviantes”, concretizando a utopia, idealizar o real e realizar o ideal.
Na Internet daquele tempo, todo mundo falava de “comunidades de aprendizagem” e de “inovação”. O mercado se apropriara da expressão e usava-a, despudoradamente, num marketing fake, vendendo gato por lebre.
Num evento supostamente educacional, escutei muitas vezes a expressão “escolas inovadoras”. Velho insuportável, estraguei o ambiente de encantamento, quando perguntei aos palestrantes:
“Podereis indicar-me o endereço de uma dessas “escolas inovadoras”?”
Nenhum deles soube indicar um endereço.
Por: José Pacheco
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