Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCLXXV)

Fazenda Itaocaia, 16 de março de 2043

Queridos netos, é admirável o modo como vós acolheis as cartas deste vosso velho e insuportável avô. É surpreendente o vosso interesse por assuntos por muitos considerados aborrecidos, como o da educação. Crente de que seja genuíno o vosso interesse, continuarei a enviar-vos estas cartinhas, até que chegue o dia de ir fazer companhia ao Darcy.

Nas redes sociais dos idos de vinte e três, circulava um texto sobre o chamado “Novo Ensino Médio”. Irei transcrevendo e comentando o texto recuperado do fundo do meu baú das velharias.:

“Dez razões objetivas para você entender porque é necessário revogar o Novo Ensino Médio.”

O primeiro ponto rezava assim:

“Na terceira série do ensino médio, os alunos da escola pública paulista passaram a ter, por semana, apenas 3 aulas de Língua Portuguesa e 2 de Matemática. Todas as demais matérias são de disciplinas dos itinerários com quase nada de conteúdos. Enquanto isso, na mesma série, os filhos da classe média e alta passam a ter aulas de reforço, revisão e simulados nas aulas regulares, além de fazerem cursinhos no contraturno para poderem se preparar para o ensino superior.”

Perdoemos o “porque” que deveria ser “por que”, o número 2, que deveria ser um numeral, para combinar com o feminino “aulas”, porque errare humanum est. Este primeiro ponto reflete uma visão retrógrada do que deveria ser uma escola, quando naturaliza excrecências instrucionistas, como “aulas regulares” (fiquei sem saber quais seriam as aulas irregulares), “disciplinas”, “série”, “reforço”, “cursinhos”, “simulados”, “contraturno”, “ensino superior” e um instrumento de darwinismo social, que dava pelo nome de ENEM.  

Os autores do texto não conseguiam imaginar outro tipo de escola, que não fosse aquela que, por mais de duzentos anos, sacrificou milhões de alunos. Talvez não entendessem que a reivindicação não deveria ser a de revogar o ensino médio, mas de acabar com esse e outros absurdos segmentos cartesianos. Em letras gordas, a reivindicação seria a de ACABAR COM O ENSINO MÉDIO! Para que a Lei se cumprisse e os jovens (enfim!) pudessem construir um projeto de vida e aprender alguma coisa.

Eis os pontos seguintes:

“Essas disciplinas dos itinerários são de assuntos bem gerais e vagos. Pelo Brasil, já foram identificados temas como ‘Brigadeiro caseiro’, ‘Mundo PET’, ‘RPG’ etc. Em São Paulo, na parte diversificada, há desde Empreendedorismo (obrigatório) até eletivas para ensinar maquiagem.

Se uma única escola conseguir oferecer os 11 itinerários formativos propostos em São Paulo, realmente deixando o estudante escolher qual ele quer cursar, então A ESCOLA TERÁ QUE OFERECER 276 DISCIPLINAS POR SEMANA. Não há gestor escolar que administre isso. Não há nem espaço físico para comportar as horas de estudo e de preparo de aulas destes professores nas escolas.”

Persiste a presunção de que uma escola é um “espaço físico” e “horas de estudo” em sala de aula, um conceito de escola herdada da Primeira Revolução Industrial. Continuemos…

“Além disso, não há professor formado para essas 276 disciplinas dos itinerários. Por isso, as escolas oferecem poucos itinerários e, mesmo assim, estão contratando todo tipo de profissional sem formação para dar aulas para adolescentes: dentistas, administradores de empresas, bacharel em direito, engenheiros etc.”

Nesse texto, era justa a denúncia da farsa montada. Mas, mais uma vez, se supunha que os professores (com formação, ou sem formação em ciências da educação) deveriam continuar encafuados em salas de aula, a dar aulas a turmas.

 

Por: José Pacheco

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