Toledo, 24 de março de 2043
O amigo Artur trocou o outono de trinta e nove pela primavera tropical e veio visitar-nos. Por essa altura, desalentado, duvidando da possibilidade de, no seu país, concretizar um sonho, há décadas, acalentado. O Artur pedia-nos “asilo pedagógico”.
“Poderei ficar convosco? Lá, em Portugal, continua quase tudo igual. Rima e é verdade…”
“Quase tudo igual é exagero, amigo Artur. Sei de grandes mudanças acontecendo por lá.”
“Sim. É verdade. Mas nada que se compare ao que vós conseguistes fazer.”
“Não compares. Tenta perceber por que “continua quase tudo igual”. Repara: Nos idos de vinte emancipaste-te do trabalho em sala de aula. Dispensaste a turma, a prova e outros artefatos instrucionistas. Libertaste-te do espartilho de regulamentos impostos e construíste a tua autonomia. Porém, permaneceste sozinho.
Houve um tempo em que também agi como um solitário, quixotescamente, quebrando lanças. Até que me vi incluído numa equipe.”
“Sim. Recordo-me de um encontro, em que falaste de uma equipe. Creio que se chamava de “educação humanizada”. Foi em Braga, talvez por mil novecentos e vinte e três. Estava lá, nessa altura. Lembro-me de teres falado com o Secretário de Estado, o António Leite, e teres marcado encontro no ministério. Mas nada mudou.”
“Enganas-te. Muita coisa aconteceu. Agindo em equipe, encontrando vias de diálogo com a administração, foi possível fazer, em dois anos, aquilo que, por décadas, não logramos fazer.”
“Pois! Mas…”
Questionei o cepticismo do Artur, dando-lhe a ler mensagens recentes, vindas de… Portugal. Netos queridos, consciente da quase inutilidade da escrita, houve um tempo em que quase desisti de escrever. Mas chegavam à caixinha do correio eletrônico animadoras mensagens:
“Bom dia, professor José Pacheco! Estive atenta ao que os disse no passado sábado. E já está a acontecer! Vamos abrir a nossa Comunidade de Aprendizagem, vamos continuar a superar todas as dificuldades, desafios, obstáculos.
Espero que em breve possamos receber a sua visita. A única forma que tenho de retribuir toda a sua dedicação, é dar o meu pequeno contributo na construção desta pequena comunidade.
Um grande abraço da Rosana.”
No interior mais interior de Portugal, a Rosana resistia. Em ambas as margens do Atlântico, se resistia. E, se ainda havia quem resistisse, retomei o ato de escrever como singelo ato de resistência, para dar voz a quem fazia a sua parte.
Anos antes, no Brasil de vinte e três, defendendo o novo, ou defendendo o velho, apelando à revogação do novo com aparência de novo, ou pretendendo manter um novo realmente velho, professores e sociedade não conseguiam perceber que Ensino Médio não era coisa manter, ou para revogar – era mais uma obsolescência a extinguir.
Entre esse e outros modos de nos distrairmos do essencial. Entre a arrogância dos áulicos e a funcionarização dos professores, decorriam jogos florais pedagógicos destinados a desviar a atenção da necessidade de mudar, de inovar, de conceber uma nova construção social, que substituísse a obsoleta construção social concebida na Prússia Militar.
Conheci o Artur, na década de oitenta, quando visitou a Ponte. Por essa altura, a par de artigos, que mostravam a inovação “Escola da Ponte”, participei na feitura de um livrinho com o título “Avaliar a Avaliação”. Talvez o Perrenoud o tivesse lido… Vinte anos depois, ele escreveu:
“Inovar significa atribuir um status ao luto, verbalizá-Io, trabalhá-lo, declarar as resistências legítimas, mais que apelar somente à consciência profissional dos professores.”
Por: José Pacheco
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