São Pedro da Afurada, 4 de maio de 2043
Na Primavera de vinte e três, a última das viagens “de trabalho” a Portugal foi cadinho de boas surpresas. No maio do meu último “ano do gato” (da lebre, ou coelho) e em pleno inferno astral, percorri o meu país e origem, a convite de uma nova geração.
Entre a década de sessenta e a de noventa, do velho “octógono pedagógico” e a “Associação PROF”, havia deixado pistas de mudança consubstanciada na ruptura paradigmática operada na Ponte. Naquela Primavera, lancei o último dos convites para a tomada de uma decisão ética, ofereci uma oportunidade de remissão de velhos pecados educacionais. Por lá deixei a indicação do meu velho e-mail e até o meu contato de celular (o (o telemóvel português). Semeei a derradeira expectativa e colhi múltiplas reações.
Em breve, delas vos falarei. A cada sementeira de dez contatos, um ou dois viriam a dar resposta. Valera a pena. Nem todos os pais enfermavam de normose. Nem todos os educadores sofriam de apatia. E o autoritarismo ministerial começava a dissipar-se.
No Brasil e em Portugal, algo novo despontava. Tomada consciência de que não havia apenas dificuldades de aprendizagem nos alunos, de que, também, havia dificuldades de ensinagem nos professores.
Com o avanço da tecnologia comunicacional, a dimensão do espaço físico não impedia a conexão com o mundo. Pensando globalmente e agindo localmente, aproximávamo-nos do conceito e da prática de comunidade de aprendizagem. A Internet colmatava limitações de opção de vida, permitindo a prática do “home office” (que deveria chamar-se “home work”).
A produção acadêmica, que tomava por objeto a comunidade de aprendizagem, consagrava o princípio do diálogo igualitário. Esse princípio estabelecia que, nos espaços de tomadas de decisão, a comunicação deveria basear-se na força dos argumentos e não em posições de poder. Mas, seria possível conciliar o “diálogo igualitário” com a manutenção de uma gestão de escola hierárquica?
Quando se assumia que, em comunidade de aprendizagem, se buscava trabalhar a gestão da escola em uma perspectiva democrática, participativa e dialógica, por que não se substituía os órgãos de gestão unipessoais por colegiados?
A gestão escolar não poderia ser democrática, através da introdução de um órgão de gestão paralelo aos órgãos de gestão tradicionais, ignorando que os diretores estavam sujeitos ao dever de obediência hierárquica.
Os ministérios haviam desvirtuado o projeto das “comunidades de aprendizagem” proposto pelo Agostinho, pelo Flexa, pelo Lauro. No modo como as assimilaram, as chamadas “atuações educativas de êxito”, nomeadamente a “tertúlia dialógica” e a “biblioteca tutorada”, poderiam ser consideradas inovações?
Não o eram! A ministerial domesticação do ”Includ-ed” determinava uma noção reducionista, distorcida, do conceito do chamado “grupo interativo”. Não fazia sentido que a leitura de um livro, no contexto de uma “tertúlia literária dialógica” fosse remetida para o domínio da sala de aula. Nem se percebia por que razão a “biblioteca tutorada” era um espaço aberto em horário contrário ao da sala de aula.
O que se sabia era que um princípio básico de Ramon Flexa, o “diálogo igualitário” deturpado introduzia novas regulações, comprometia o exercício da autonomia. Nas redes de protótipos de comunidades deparávamos com estes e muitos outros obstáculos à inovação. Conseguimos ultrapassá-los mediante a celebração de termos de autonomia (chamados contratos em Portugal).
Porque me pedistes, de autonomia vos falarei nas próximas cartinhas.
Por: José Pacheco
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