Casével, 31 de maio de 2043
Completo nesta cartinha a “série” de evocações de insignes educadores, apesar de muitos outros ficarem por referir. Todos têm em comum o anúncio de um novo tempo na Educação, o tempo das comunidades.
O mais longevo que conheci foi José Anchieta. Um dos bispos que propôs a sua elevação aos altares, disse que a paz só poderia começar quando conseguíssemos ver no outro um irmão igual a nós. Também o José o disse, de muitos modos, sem que o escutassem. E somente nos idos de vinte foi tempo de os educadores serem sensíveis à necessidade da escuta e de perguntar como poderíamos aspirar a um país fraterno e justo, por via da educação.
Decorridos séculos sobre os seus apelos, já encontrávamos educadores atentos, entre a imensa mole dos distraídos, aos quais as difíceis condições do exercício da profissão retiravam o discernimento. Muitos anos após as suas missionárias labutas, educadores éticos tentavam modificar a educação, por acreditar nos seres viventes e na sua capacidade de transcendência.
Anchieta chegou ao sul na armada do Duarte Góis, correspondendo ao pedido de Manuel da Nóbrega, a incumbência da construção do Colégio, onde viria a compor a primeira gramática de língua Tupi. Ao redor do Colégio, no planalto de Piratininga, fundou um povoado a que deu o nome de São Paulo, embrião de uma megalópole onde, nos idos de vinte, a educação negava o espírito do colégio original.
Deambulara pelo litoral do Brasil, ajudando a fundar cidades, auxiliando a concretização de inadiáveis projetos, de que uma nascente colónia carecia. Não foi escutado, no seu tempo, como vos disse, mas o seu exemplo emergiu do fundo da história, consubstanciando-se em comunidades, que ele concebeu.
Embora, no século XXI, fosse discutível o modelo jesuítico de educação e questionáveis as observações do Padre Vieira sobre a escravatura, seria preciso não esquecer que foram os jesuítas os fundadores da comunidade dos Sete Povos das Missões. Com heróis, como Sepé Tiaraju, organizaram as comunidades indígenas, protegendo-as da escravatura e da extinção.
A sanha assassina que se abateu sobre as Missões repetir-se-ia na destruição de Canudos. Estes exemplos, tão maltratados pelos historiadores que fizeram a história dos vencedores, constituíram dramáticos prenúncios do retorno da utopia às terras do sul, cujos povos inspiraram os falanstérios, os albigenses e cátaros, a Icária e a Nova Harmonia.
O espírito de vizinhança fomentada pelas Missões, que havia sido esquecido, convidava a uma convivência pacífica e salutar. A permanência das crianças junto das suas casas e vizinhança, acompanhada de um tutor (embora com outra designação no século do Anchieta) e de familiares, permitia apontar para ações que estimulavam a comunidade a participar de decisões, em busca do modo melhor para se viver.
Antecipando o teor das cartinhas de junho, se diga que a mensagem de Anchieta era a da fundação de comunidades autossustentáveis em todos os sentidos: ambiental, econômico e político. Nos limites dos conhecimentos e da tecnologia de seiscentos, Anchieta descrevia uma nova práxis. Sem dispor de um “google maps”, sem saber em que consistia elaborar um “mapeamento participativo” identificava “pontos de aprendizagem”, antepassados das “pontes digitais”.
Centenas de anos separavam a Missão de Anchieta das bibliotecas comunitárias e de sistemas digitais integrados, as intervenções facilitadoras de comunicação, de permutas de informação, de geração e de partilha de conhecimento.
Sobre isso conversaremos, partir de amanhã.
Por: José Pacheco
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