Atalaia, 14 de agosto de 2043
Ao cabo de trinta anos de projeto, o ministério da educação ainda intentava acabar com uma escola por si mesmo reconhecida como inovadora. Essa tentativa de destruição despoletou sentimentos de perplexidade e de indignação que se traduziram num amplo movimento de solidariedade. O longo confronto teve como desfecho a celebração de um contrato de autonomia – o primeiro no contexto da escola pública – que, por quase uma década, a livrou de maléficas interferências.
No processo formativo iniciado no agosto de vinte e três, para além do estudo de Anísio e Nóvoa, recomendei o visionamento crítico de um vídeo de 2015:
Reportagem TVi sobre a Escola da Ponte – YouTube
A Escola da Ponte representava uma singularidade, na qual era possível “vislumbrar a totalidade sistémica dos problemas que se colocava ao sistema, bem como algumas hipóteses sólidas de possíveis soluções que contrariam um proverbial ceticismo”.
Aquando da publicação desse depoimento do amigo Nóvoa, o “sistema” ainda não havia adotado as “possíveis soluções” encontradas pela Ponte, em meados de setenta e ainda não achara outras soluções para velhos problemas: “o da organização escolar e da sua gestão, aos problemas da inclusão e da construção de uma vida escolar democrática e participada, ao problema de exercer o rigor nas aprendizagens com base no gosto por aprender, ao problema de fazer coincidir a formação de professores com a construção autónoma de uma profissionalidade responsável.”
A defesa da Escola da Ponte passou a representar para muitos educadores e cidadãos um meio de preservar e promover um serviço público de educação que tivesse como vocação o sucesso de todos e fizesse da participação de professores, alunos e pais um exercício permanente de cidadania.
Nóvoa, de novo:
“O Projeto Educativo que, ao longo dos últimos 25 anos, vem sendo construído por um coletivo de professores, na Escola da Ponte constitui um sinal de esperança para todos os que acreditam e defendem a possibilidade de construir uma escola pública aberta a todos os públicos, baseada nos valores da democracia, da cidadania e da justiça, que proporciona a todos os alunos uma experiência bem-sucedida de aprendizagem e de construção pessoal.”
A história da Ponte foi feita de resiliência e de sofrimento. A atitude adotada pelo Ministério da Educação, ao longo de um quarto de século, ilustrava a realidade profunda que marcava a sua política e a contradição entre os atos e a retórica. O mérito era penalizado e o protagonismo das famílias era contrariado.
Em 76, nela não encontrei professores “vivos”. Só contei com a participação de quatro pais. Nesse mesmo ano, a primeira associação de pais foi criada e a ideia de comunidade começou a ser esboçada. Decorridos oito anos, chegaram a Maria Luísa e a Maria José. Embora não-oficialmente, uma equipe de três professores partilhou a direção e gestão da escola com as famílias dos alunos. Até que, em 2004, o primeiro contrato de autonomia conferia aos pais a direção da escola.
Em 2012, as decisões dos pais dos alunos foram desrespeitadas. E esse fato expôs a escola à perfídia do ministério. A Ponte perdeu muitos dos direitos conquistados ao longo de quase meio século.
Esta breve cronologia explica acomodações e retrocessos. A Ponte continuava sendo a melhor das escolas, mas distante do seu projeto e fragilizada.
No agosto de vinte e três, pela enésima vez, enviei convite ao diálogo. Não à Direção da Escola, mas à Associação de Pais. Seria o último dos convites, a última oportunidade de retomar um projeto interrompido.
Por: José Pacheco
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