Camboinhas, 2 de setembro de 2043
Então, cá vai, netos queridos, mais uma cartinha “chata” (como ousastes dizer…), porque não poderei prescindir da explicitação de uma gramática de mudança.
Vivíamos um tempo em que as famílias se preocupavam com a educação escolar dos seus filhos e nela exigiam participar. Não encontravam resposta em escolas de uma rede pública mercantilizada, no sucateamento da Escola Pública. Mas, também, já não encontravam resposta em projetos “alternativos”, ou no recurso do “ensino doméstico”. E os “centros de explicações” já recebiam alunos de… escolas particulares.
A minha amiga Tina caraterizava, na perfeição, a decadência da ensinagem e denunciava os seus efeitos:
“A prova, a nota vermelha, a reprovação, o bilhete para os pais, a punição do erro, a carteira enfileirada, o pontinho a menos, a ida para a sala da diretora, perder a hora de brincar, o castigo na biblioteca, o caderno de ocorrências, o olhar repressor e desaprovador, a cuidadora que grita, a diretora brava…
Medo é um estado emocional que surge em resposta à consciência perante uma situação de eventual perigo. A ideia de que algo ou alguma coisa possa ameaçar a segurança ou a vida de alguém, faz com que o cérebro ative, involuntariamente, uma série de compostos químicos que provocam reações que caracterizam o medo.
As escolas estão repletas de adultos que vivem na defensiva e reproduzem um ambiente repleto de ameaças, de medo e opressão.
É urgente humanizar a educação.”
Nos idos de vinte, por iniciativa da Tina e de outros educadores, se abriram caminhos de humanização. Há, precisamente, vinte anos, retomamos a prática dos encontros de formação, nos mesmos moldes daquela que havíamos realizado em projetos anteriores.
Não se tratava apenas de assegurar consistência e vida longa a projetos de mudança. Essa seria a derradeira e exitosa tentativa de correção de erros de percurso. Não era nosso intuito colmatar déficits da formação inicial, ou da dita continuada. Não admitíamos separação entre formação inicial e continuada, porque, a nosso ver, toda a formação deveria ser contínua. Se não, para que serviria a formação?
O objetivo último seria o de garantir a todos o direito à educação, a uma educação integral em tempo integral, algo tornado possível mediante a gradual substituição de um sistema de ensino prussiano por um sistema de aprendizagem, graças ao labor de profissionais do desenvolvimento humano, ao serviço de projetos de humanização da educação adotados por comunidades.
Uma “educação integral”, muito debatida e jamais concretizada, impossível de efetivar no quadro do sistema de um sistema de ensino hegemonico e absoleto, ou através de uma via reformista, de adesão a modismos e paliativos, viria a consolidar-se numa nova construção social.
O encontro decorreu como se fora uma aula, mas uma aula de caráter isomórfico, como vos disse, na consideração do outro educador, não como objeto de formação, mas como sujeito de aprendizagem, na concretização dos princípios de uma aprendizagem dialógica.
Iríamos praticar modalidades de formação adequadas a processos de mudança. O círculo de estudos (e de aprendizagem) viria a constituir-se na modalidae principal. Projeto e oficina seriam complementares. E ainda se colocou a hipótese de organizar tertúlias. Seriam erigidos alicerces de uma nova educação, através da criação de núcleos de projeto, da definição de valores e princípios,da negociação de acordos de convivência, da reivindicação e assunção de autonomia, e da instalação dos primeiros dispositivos de relação.
Por: José Pacheco
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