Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLVIII)

Ipê, 15 de setembro de 2043

Como dissera uma criança: “Rubem era um homem que gostava de ipês”. E esse ser sensível, em uma carta, me confirmou a existência de outros seres admiráveis, que Brecht diria serem “indispensáveis”: 

“Há milhares de irmãos e irmãs desconhecidos sonhando o mesmo sonho”. 

Uma nova geração de solidários educadores surgia na contramão da História Oficial da Educação”, surfando o lixo em a escola se tinha afundado. 

No Portugal da Escola da Ponte, o Rubem publicou o livro “Por uma Educação Romântica”. É uma obra que, ainda hoje, recomendo, mas disse-lhe que não basta ser romântico, que é preciso ser conspirador. 

Na velha Internet, talvez ainda seja possível encontrar referências aos RC e ao ENARC. Procurai. Estava implícita na carta de princípios dos Românticos Conspiradores uma ideia de comunidade, de aprendizagem compartilhada, de práticas colaborativas. 

A aprendizagem é empreendimento comunitário, expressão de solidariedade. O Rubem era um ser solidário, sabia que a aprendizagem acontecia, quando eram criados vínculos. Comemorando o nonagésimo aniversário do seu pai, a Raquel sobre vínculos falou, num evento organizado pela Revista Educação. O Rubem tinha partido, há nove anos, mas a sua memória deveria ser preservada. A Adélia Prado dizia que a memória era contrária ao tempo: 

Enquanto o tempo leva a vida embora como vento, a memória traz de volta o que realmente importa,  eternizando momentos. Crianças têm o tempo a seu favor e a memória ainda é muito recente. Ignoram o quanto a infância é impregnada de eternidade.

Na sua obra  “A Escola com que Sempre Sonhei”, Rubem deu conta de uma prazerosa surpresa:

“Era uma sala enorme, sem divisões, cheia de mesinhas baixas, próprias para as crianças. As crianças trabalhavam nos seus projetos, cada uma de uma forma. Moviam-se algumas pela sala, na maior ordem, tranquilamente. Ninguém falava em voz alta. Nem isso se ouvia. Notei, entre as crianças, algumas com síndrome de Down, que também trabalhavam. As professoras estavam com as crianças, em algumas mesas, e se moviam quando necessário. Nenhum pedido de silêncio. Nenhum pedido de atenção. Não era necessário”. 

Rubem narra episódios, que ilustram o reconhecimento do outro:

“Encontrei quadros de avisos: “Tenho necessidade de ajuda em…”. Em outro, a frase: ” Posso ajudar”. Qualquer criança com dificuldades em qualquer assunto coloca ali o assunto e o seu nome. Outro colega, vendo o pedido, vai ajudá-la. Assim, vai-se se formando uma rede de relações de ajuda.

Numa mesa, uma menina escrevia e consultava o dicionário. Agachei-me para conversar com ela. 

Você está procurando no dicionário uma palavra que você não sabe?

Não, eu sei o sentido da palavra. Mas estou a escrever um texto e usei uma palavra que, penso, eles não conhecem. Como eles ainda não sabem a ordem alfabética e não podem consultar o dicionário, estou a escrever um pequeno dicionário ao pé da página do meu texto para que eles o compreendam.”

Na Escola da Ponte, a ética perpassava silenciosamente, sem explicações, as relações. O amigo Rubem havia deparado com um contexto de educação cidadã, no qual acordos de convivência eram cumpridos e o domínio socioemocional – até então, apenas teorizada, ou vendida em pacotes – era prática corrente.

Com o amigo Rubem aprendi que deveria bem cuidar do meu socioemocional, cuidar do socioemocional infantil, para conseguir manter viva a criança que em mim habitava. Porque, como ele diria, quem mata a sua criança grande não vira adulto – adultera-se. 

Amanhã, talvez vos fale de educação socioemocional.

 

Por: José Pacheco

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