Foros de Vale Figueira, 30 de setembro de 2043
No interior mais interior do Portugal, assumi o compromisso de ajudar a fazer comunidades. No périplo do mês de setembro de vinte e três, visitei o meu amigo Alfredo. Falou-me de sonhos, mostrou-me mais um espaço, do que viria a ser a comunidade do Freixo do Meio.
Eu seguia os passos de antigos andarilhos da educação. Como alguém, que, em 1912, escrevia:
“Na minha última digressão à minha terra, observei algumas coisas que bastante agradaram ao meu coração. O que mais me encheu de júbilo foi o interesse quenotei pela instrução. É preciso instruir e educar, para que o homem saiba o que quer ser, saiba ser livre e saiba ser cidadão”.
Sábias e percursoras palavras, mais adiante tornadas realidade.
Porém, por essa altura, em todas as terras, havia placas informativas com as inscrições “Escola Primária” e “Escola eb2,3”. Esses modelos de construções escolares tinham sido substituídos por novos velhos modelos de edifícios feitos de salas de aula. Na verdade, nada havia mudado. Digitalizadas, as práticas do século XXI eram idênticas às do século XIX. Em Portugal como no Brasil.
Por essa altura, no Norte, o ministério dava sinais de aceitar dialogar. No Brasil, nem tanto. O novo governo adotara o modelo “sobralista”, que a nada conduziria. Em municípios onde se acendera algumas centelhas de mudança, gestores idiotas deitavam a perder anos de porfiados esforços de humanização. E a minha amiga Tina reagia a idiotices e aberrações pedagógicas, num texto de quatro frases, de que extraí a primeira.
“Adoraria conversar com Sigmund Freud sobre a Educação Humanizada. Seria incrível partilhar suas belezuras e (quem sabe!) Freud poderia explicar os recorrentes perrengues que enfrentamos com as massas que desejam ilusões (paliativos) e com os felizes idiotas que colocam empecilhos.
Já Freud dizia: “Existem duas maneiras de ser feliz nesta vida, uma é fazer-se de idiota e a outra sê-lo.”
Partindo da freudiana afirmação, reconstituí memórias de velhas andanças. No tempo de uma salazarenta ditadura, divulgávamos um poema “proibido” pela Comissão de Censura, da autoria de Bertolt Brecht. Nos saraus, mais ou menos clandestinos, realizados em criptas de igrejas, em salões paroquiais, em lugares onde a minha militância católica me levasse, a Soledade o declamava:
“Sente-se. Encoste-se tranquilamente na cadeira.
Ouve-me bem? Tenho algo a dizer-lhe que vai interessá-lo. Você é um idiota.”
Fui ao dicionário, procurar o significado da palavra. Provém do grego “idiótes”. Significa “pessoa leiga, sem habilidade profissional”.
Na Psiquiatria, o idiota é aquele que sofre de “idiotia”, diagnóstico atribuído ao indivíduo mentalmente deficiente. Popularmente, um idiota é um indivíduo tolo, imbecil, desprovido de bom senso. O sistema de ensinagem estava semeado de idiotia, de gente desprovida de bom senso. E, para os idiotas, as ciências da educação não passavam de ciências ocultas, o que piorava a situação.
Num dos desgovernos em que o Brasil era fértil, uns idiotas tentaram retirar a palavra “político” do documento-base da prática escolar: o Projeto Político-Pedagógico. Em tenra idade, muitos alunos ficavam expostos a subliminares influências consumistas, a uma erotização precoce, à violência e competição, que jogos idiotas (e professáurios idiotas) estimulavam. Idiotas profissionais ocupavam lugares de relevo na estrutura do “sistema”, burocratizando-o, impondo lideranças tóxicas, criando obstáculos a quem, como a minha amiga Tina, buscava humanizar a Educação.
Por: José Pacheco
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