Leiria, 4 de outubro de 2043
Em 2004, ao cabo de três décadas, afastei-me (fisicamente) da Ponte, para permitir que novos professores lhe abrissem novos rumos. Fui ajudar a “fazer pontes” em outros lugares.
Percorri a Europa Comunitária e emigrei para o Sul. Aqui, me pediram que fizesse “uma Escola da Ponte no Brasil”. Não o faria. Não queria gerar réplicas de uma escola europeia num país do Sul. Mas deixei num capítulo do livro “Escola da Ponte – Defender a Escola Pública” um textinho singelo, ainda que “técnico”, explicando o início do projeto.
Há vinte anos, quando aprendia com educadores da região de Leiria a ser educador, partilhei com eles excertos do livrinho. Aqui vos deixo alguns, pedindo que desculpeis as suas muitas imperfeições. Lembrai-vos de que este textinho foi escrito há quarenta anos.
“Fazer a Ponte, Construir a Memória”
Uma escola sem muros. “É a natureza do trabalho escolar que deve determinar a estrutura dos edifícios. A nossa escola será uma ‘oficina de trabalho’ integrada na vida do meio. Este destino específico necessita de uma estrutura nova” (Freinet). A Escola da Ponte é uma escola de área-aberta construída por vontade dos professores, onde não foram erguidos muros nos lugares em que os arquitetos derrubaram as paredes.
A arquitetura também desempenha um importante papel na concretização dos objetivos do projeto. A disposição espacial ampla encontra a sua maior expressão num conceito de escola aberta que se revê como uma oficina de trabalho (parafraseando Freinet), ou escola laboratorial (recorrendo a Dewey).
É um edifício-escola que permite o desenvolvimento de uma pedagogia orientada para uma praxis social de integração do meio na escola e da escola na vida, aliando o saber ao saber fazer.
Nesta escola não há salas de aula. Um espaço pode, no princípio de um dia de trabalho, acolher um trabalho de grupo; pode servir a expressão dramática, a meio da manhã; pode receber, no fim do dia, as crianças que vão participar num debate.
Num mesmo dia, o polivalente pode ser um espaço de cantina, de assembleia, de expressão dramática, de educação físico-motora… A distribuição das crianças por espaços específicos apenas acontece em situação de Iniciação e de Transição, como a seguir se explica.
As crianças da Iniciação dispõem de um espaço próprio, onde aprendem a ler, a escrever e a ser gente. Porém, os mais novos não permanecem continuamente nesse espaço, partilham outros, nomeadamente, nas áreas de expressão.
As crianças da Iniciação leem e produzem escrita desde o primeiro dia de escola. Quando a primeira frase surge, é trabalhada em letras maiúsculas de computador. Há, sobretudo, dois tipos de texto: o “texto inventado” (que é quase o equivalente do freinetiano “texto livre”) e aquele que resulta da procura, seleção e tratamento de informação, e que é exposto nos murais.
Aquilo que distingue a Iniciação dos restantes núcleos é, sobretudo, o modo como se faz a planificação e uma maior intervenção dos professores. Quando uma criança acede a um grau de autonomia que lhe permita a socialização em pequeno grupo, participa de pequenos jogos assistidos por colegas voluntários sem, contudo, sair do espaço da iniciação.
A saída deste núcleo verifica-se quando a criança revela competências de autoplanificação e avaliação, de pesquisa, e de trabalho em pequeno e grande grupo. Aos primeiros planos, elaborados pelos professores, sucedem-se esboços de planificação que cada aluno vai aperfeiçoando, até atingir a capacidade de prever uma gestão equilibrada dos tempos e dos espaços de aprendizagem.
Por: José Pacheco
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