Gávea, 6 de novembro de 2043
Freire dixit: “O fracasso é do sistema”. Por isso, na cartinha de hoje, retomaremos a leitura do extraordinário depoimento do amigo Nóvoa. Ele falava-nos – em 2006! – de “transbordamento curricular”, uma das “manobras de diversão” em que o sistema de ensinagem era fértil, no intuito de disfarçar as suas fragilidades.
Nóvoa enunciava o que, em poucos meses, aquilo que os senhores deputados da Assembleia da República tinham proposto integrar no currículo escolar:
“Preservação do património cultural, dos monumentos, das tradições e das culturas locais; educação para a saúde, nas suas múltiplas vertentes, desde a saúde oral até ao combate às epidemias e, em particular, à gripe das aves; prevenção da toxicodependência e do tabagismo, bem como na promoção de comportamentos saudáveis; educação alimentar e numa correta aprendizagem de hábitos de consumo, aos mais diversos níveis; educação sexual, combatendo assim um dos dramas maiores da sociedade portuguesa, sobretudo nos meios mais pobres; prevenção dos acidentes, através de uma cuidadosa educação rodoviária.
Referiu-se ainda que a escola não pode alhear-se de um conjunto de “cuidados” a prestar às crianças e chamou-se a atenção para o seu papel no combate aos maus-tratos, aos abusos sexuais e à violência no seio da família. Falou-se na educação para a cidadania, na promoção dos valores, na prevenção da delinquência juvenil e na criação de ambientes sociais e familiares seguros. E na necessidade de assegurar o “pleno desenvolvimento físico, intelectual, cívico e moral dos alunos”. E, como não podia deixar de ser, aqui se referiu a importância das necessidades educativas especiais, aqui se insistiu na aprendizagem das novas tecnologias e na aquisição de “competências de empregabilidade”, etc. etc. etc.
Tudo isto apenas nos últimos meses de debates nesta Câmara. E tudo isto é justo e acertado. E tudo isto merece ponderação. E nenhum de nós se atreveria a excluir uma única destas tarefas da lista de tarefas da Escola. Mas será que ela pode fazer tudo isto, para além daquela que é a sua missão primordial?
A minha resposta é não. A escola está esmagada, sufocada, por um excesso de missões. Importa, pois, recentrá-la nas atividades especificamente escolares, o que obriga, por outro lado, ao reforço de um espaço público de educação, no qual as famílias, em primeiro lugar, mas também as empresas, as igrejas, as associações, os centros de saúde ou as autarquias, entre tantas outras entidades, assumam as suas próprias responsabilidades.
Há quanto tempo repetimos, em Portugal e no resto do mundo, que os currículos e os programas são demasiado extensos? Mas todos os dias lá colocamos uma nova disciplina, um novo conteúdo programático, uma nova competência. E depois… os professores que resolvam o problema como puderem.
A escola é criticada (e bem) por causa dos maus resultados dos alunos, nomeadamente, em disciplinas nucleares. Mas é também criticada (e igualmente bem) por não preparar as novas gerações para a sociedade do conhecimento, para as novas tecnologias, para a inovação.
No seu discurso de tomada de posse, o Presidente da República afirmou que a escola, mais do que ensinar, deve ensinar a aprender, acrescentando mesmo que mais decisivo ainda era “aprender a empreender”. Não é um dilema fácil de resolver, pois é preciso estabelecer prioridades e não basta dizer que tudo é importante. Estamos preparados para o enfrentar?”
Clarividente, o amigo Nóvoa repetiria a mesma pergunta, anos a fio e de diferentes modos.
Qual seria a resposta?
Por: José Pacheco
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