Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MCDLXXXIII

Caraíva, 18 de janeiro de 2044

Há exatos vinte anos, perante um círculo de gente generosa, propus a análise da “CARTA DE CARAÍVA”. Eis o que nela dizia: 

Os projetos humanos contemporâneos carecem de um novo sistema ético e de uma matriz axiológica clara, baseada no saber cuidar e conviver. Requerem que abandonemos estereótipos e preconceitos. Exigem que se transforme uma escola obsoleta numa escola que a todos e a cada qual dê oportunidades de ser e de aprender – que a todos assegure o direito à educação. 

Se a modernidade tende a remeter-nos para uma ética individualista, nunca será demais falar de convivência e diálogo, enquanto condições de aprendizagem promotora de desenvolvimento humano sustentável, incompatível com práticas sociais geradoras de exclusão e múltiplas ignorâncias.

Aos educadores caberá assumir o compromisso ético de reelaborar a sua cultura profissional, no sentido da formação de pessoas e cidadãos cada vez mais cultos, autónomos, responsáveis e solidários, democraticamente comprometidos na construção de um destino coletivo e de um projeto de sociedade, que potenciem a afirmação das mais nobres e elevadas qualidades de cada ser humano. 

A partir da sala de aula e daquilo que somos, do que sabemos e do que sabemos fazer, urge afirmar a possibilidade de conceber uma nova construção social de aprendizagem, na qual, efetivamente, se concretize educação integral. 

Urge inovar, humanizar a Educação, na comsideração do sujeito de aprendizagem, que participa de transformações do seu meio, de forma ética.

Urge reconfigurar práticas educativas, integrando contribuições dos paradigmas da instrução, da aprendizagem e da comunicação, religando instituições (Família, Sociedade e Escola);

Urge desenvolver ciclos formativos caraterizados pelo saber cuidar, promovendo envolvimento comunitário através da constituição de círculos de aprendizagem, a partir da elaboração de matrizes axiológicas e de cartas de princípios. 

Nesse sentido, nos organizaremos em Assembleias de Redes de Comunidades de Aprendizagem (ARCA), que congreguem projetos e lhes confiram sustentabilidade legal, científica e financeira.

Caraíva, janeiro de 2024.

O que, depois, se seguiu constará de outra cartinha. Vivíamos um momento crucial, mais uma oportunidade de empreender caminhos de mudança e de inovação. Centenas de vezes, o vosso avô havia participado em encontros de onde sairam cartas de intenções e manifestos. Desta feita, juntávamos a nobres intenções a necessidade de organização.

Já tinha ajudado a constituir associações, cooperativas e outras organizações, atendendo a pedidos de pais conscientes dos malefícios da escola de sala de aula. Viabilizara a realização de excelentes projetos. Alguns desses projetos sobreviveram ao desgaste do tempo e da maldade humana, refugiando-se em “conchas pedagógicas”, que não foram além de uma mistura de instrucionismo e escolanovismo. A maioria se quedou pelo que já era, ou foi destruída. Muitos dos seus autores acabaram no divã do psiquiatra, abandonaram a profissão de professor, padeceram perseguições de burocratas. 

Dessa vez, erros foram corrigidos e uma organização foi instaurada, sem presidência, nem conselho fiscal… Chegava o tempo previsto no Livro de Eclesiastes. Começava a contagem decrescente para o dia em que o vosso avô, tranquilamente, pudesse ir plantar árvores, contemplar o nascer e o pôr do sol, contemplar o voo de uma gaivota, sem preocupação com o horário de outros voos. 

Netos queridos, por que levou tanto tempo para esse tempo chegar?

 

Por: José Pacheco

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