Brasília, 16 de dezembro de 2040
Queridos netos,
Certamente, estareis recordados de vos ter falado de um empresário que queira “salvar vidas de jovens”. Dizia ele que a escola da aula os matava e que fazer contraturno de escola era como tentar “enxugar gelo”. Pediu-me para “fazer uma escola como a Escola da Ponte”
É evidente que jamais pretendi fazer no Brasil uma escola igual à da Ponte. Com a Edilene, a Claudia e uma extraordinária equipe de educadores, ajudei uma ONG a libertar-se do assistencialismo e a fundar a Escola do Projeto Âncora.
Dei a essa escola quatro anos de vida gratuita. Foi considerada por curadorias internacionais como uma das melhores escolas do século XXI. Salvou muitas jovens vidas.
Quando, em 2014, dela me afastei, para que a escola desenvolvesse autonomia, fui convidado pelo Instituto Brasileiro de Informação e Comunicação para coordenar uma pesquisa, no âmbito do projeto “Brasília 2060”. Passei a viajar, frequentemente, para a capital. Outro convite me foi dirigido para integrar o Grupo de Trabalho da Criatividade e Inovação do Ministério da Educação. E as viagens para Brasília se intensificaram.
Voltei ao convívio de educadores, que tentavam “salvar vidas”. Colaborei com a “Vivendo e Aprendendo” e com a EC 115 norte, admiravelmente dirigida pelas minhas amigas Marta Caldas e Martha Scardua. Com a Cláudia, que também queria “salvar vidas de jovens”, realizei a primeira formação “Gaia Escola”. Fiz morada no Jardim Botânico de Brasília, para ajudar a criar comunidades de aprendizagem.
Em meados de janeiro de 2015, no seu gabinete da Secretaria de Educação, um homem bom de nome Júlio me recebeu. No início da reunião, comentou:
“Desde que assumi o cargo de secretário, já fiz muitas reuniões. Esta é a primeira em que nesta secretaria de educação se fala de… educação”.
Tal como o empresário Walter, o Júlio queria salvar vidas de jovens.
O Complexo Penitenciário da Papuda é um conjunto de presídios situado na região administrativa de São Sebastião. O Júlio levou-me a visitar essa prisão. Percorremos a ala dos jovens considerados infratores. Dali, fomos para a Unidade de Internação de São Sebastião, onde jovens já cumpriam sentença.
No regresso à Secretaria, o Júlio pediu-me que elaborasse um projeto para salvar vidas de jovens. Respondi que poderia ajudá-lo, mas que eu estava mais interessado em desenvolver um projeto, que evitasse a necessidade de haver prisões como a Papuda e unidades de internação. Isto é: conceber e desenvolver um projeto a montante do sistema, para não haver necessidade de medidas de compensação e correção, a jusante. Assim nascia a ideia da primeira comunidade de aprendizagem do Distrito Federal.
Em 2017 e a partir da iniciativa de professoras do CEF 04 do Paranoá, o projeto começou a tomar forma junto ao conjunto habitacional do Paranoá Parque. Fruto de uma construção coletiva, entreguei à secretaria o Projeto Político-Pedagógico, o Regimento Interno e uma minuta de Termo de Autonomia. Aprovados os documentos e após encontros com a Coordenação Regional, foi publicada a portaria de criação da Escola Classe/Comunidade de Aprendizagem do Paranoá – a CAP.
Na esteira dessa iniciativa, outros projetos surgiram e se consolidaram, por obra de extraordinários educadores. Finalmente, há vinte anos e neste mesmo dia de dezembro, a educação do século XXI chegava a Brasília, uma chegada adiada por décadas de investimento num modelo educacional causador de milhões de “mortes de jovens”.
Quando essa educação chegou, foi para ficar. Contar-vos-ei como tudo aconteceu.
Por: José Pacheco