Novas Histórias da Velha Escola (LXXVI)

Plano Piloto de Brasília, 21 de abril de 2040

Quando eu cheguei por aqui eu nada entendi da dura poesia concreta das obras do Lúcio, do Burle, do Niemeyer, do Juscelino. Quando encarei a cidade, frente a frente, não vi o meu rosto. Foi um difícil começo. Aprendi a amar a cidade, não só porque morava paredes meias com um maravilhoso espaço: o Jardim Botânico. Nómada da educação, eu já tinha montado tenda em muitos lugares. Se Brasília escolhi para morar, foi porque conheci gente, educadores com quem estabeleci vínculos indeléveis, gente que me fez ficar.

Apesar do incitamento a romper o isolamento social, por via de economicistas motivações, o bom senso da população da Brasília prevalecia. A fotografia, que vos envio é disso prova: o centro da cidade estava quase deserto, no dia do sexagésimo aniversário de Brasília, uma cidade bem mais jovem do que o vosso avô e onde quis passar os últimos dias da minha vida.

Numa noite de agosto de 1883, Dom Bosco teve um iluminado sonho místico, uma visão: entre os paralelos 15 e 20 graus, aparecerá a Grande Civilização, a Terra PrometidaPara muitos, era a antevisão de uma nova cidade, que acreditavam ser Brasília. Seja lá como for, aqui reencontrei o rastro do português e universalista Agostinho, outro visionário, criador do Instituto de Letras da Universidade de Brasília. Nos idos de 2020, sentava-me debaixo da mangueira, onde Agostinho escrevia os poemas, que distribuía a professores e candangos. Na UnB do Darcy, conheci o Chiquinho. Dizia que o grande diferencial da sua história de vida, além do amor pelos livros, eram as amizades. Se o seu maior tesouro eram os leitores e os amigos, dele me fiz amigo. E muitas mais amizades construí com quem amava e respeitava a infância.

Perdoai que fale um pouco mais de mim. Deu-me vontade, porque há quem nasça longe de casa e esse foi o meu caso. Tive berço numa pátria, no Portugal da Ditadura de Salazar. Irei morrer nos braços de uma mátria gentil. Fui peregrino da educação, até um telúrico sentir-me em casa e me encontrar.

O confinamento imposto pelo vírus não conseguia demover-me do contato, então apenas virtual, com amigos, que ainda apontavam virtudes na prática da aula. Irremediavelmente esperançoso, eu os escutava e com eles, tentava instaurar um diálogo construtivo, reconstrutor.

A partir do que éramos, do que sabíamos e do que sabíamos fazer, urgia criar potencial de inovação. Porém, o campo da inovação estava armadilhado. A Internet tinha sido invadida por pseudo-inovações, que reciclavam velhas fórmulas e perenizavam a ensinagem.

Netos queridos, os projetos de humanização da educação contemporâneos da pandemia não se coadunavam com as práticas escolares de então. Por volta da segunda década deste século, a tragédia causada pelo modelo instrucionista do século XIX prolongava-se no século XXI. Travestida de “invertida”, “híbrida”, ou outro qualquer disfarce, a escola da aula perpetuava um monstruoso genocídio educacional.

A Educação carecia de um novo sistema ético e de uma matriz axiológica clara, baseada no saber cuidar e conviver. Requeria que se transformasse uma instituição obsoleta numa escola que a todos e a cada qual desse oportunidades de ser e de aprender. Até que um vírus nos trouxe oportunidades de mudar e inovar…

Brasília é “taurina”, como eu. Teimosa, até mesmo obstinada. No dia 22 desse abril da pandemia, a Lua Nova estaria em Touro. Iria trazer-nos energia para pensar projetos novos, para fazer desabrochar novas visões de mundo.

Por: José Pacheco

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