Ubatuba, 09 de junho de 2040
A minha amiga Teca era uma maravilhosa contadora de estórias. Do livro por ela escrito, há quase três décadas, extraí o seguinte episódio.
“A professora apareceu na minha sala com os cabelos em pé, boquiaberta, com um caderno na mão e me disse: “Teca olhe este caderno…!”
Peguei o caderno e olhei – estavam escritos alguns palavrões. Falei para a professora: “Pode deixar, vou conversar com o aluno e com a mãe, também”.
Chamei o aluno e perguntei por que escreveu tantos palavrões. Ele disse que era o que ouvia o irmão dizer e escrevia. Ainda assim chamei a mãe, mostrei o caderno e falei: “Mãe, olha o que seu filho escreveu aqui!”
Ela respondeu: “Não sei ler, não, senhora! Mas, diretora, posso lhe perguntar uma coisa?”
“Claro, mãe!” – respondi, desconfiada.
E ela: “Todas essas letras aí foi meu filho que escreveu?”
Respondi: “Sim, foi.”
Ela perguntou: “E ele leu tudo isso que escreveu?”
Respondi: “Sim, leu.”
Então, ela começou a pular e bater palmas, dizendo: “Graças a Deus, alguém sabe ler na nossa casa! Oh, glória a Deus!!!”
Fiquei olhando aquela mulher e pensando onde é que eu estava com a cabeça. Por que não tentei descobrir algumas coisas antes? O que eu ia falar para ela, diante de uma situação dessas?”
A Teca, a Cecília e outras maravilhosas educadoras detinham um conhecimento profundo da arte e ciência de ajudar a aprender a ler. Mas, o Brasil defrontava-se com elevados índices de analfabetismo literal e funcional.
Quando ingressavam na escola, as crianças eram metidas numa sala, frente a uma professora, que os “ensinava” de um só modo (pelo “método fônico”, ou pelo “construtivista”), por não saber que havia muitas metodologias disponíveis.
Os professores alfabetizadores prescindiam do repertório linguístico de cada criança (qualquer criança com seis anos lia mais de cem palavras, em português e em outras línguas, como: “Internet”, Coca-Cola…) e desrespeitavam, quer o estilo de inteligência predominante, quer o ritmo de aprendizagem de cada aluno. Por via de uma formação deformadora, as salas de aula eram antecâmaras do analfabetismo.
As autoridades estavam convictas de havia uma “idade certa” para alfabetizar. Mas, no dia em que deparei com uma turma de alunos analfabetos, sete vezes reprovados na primeira classe, decidi aprender como se alfabetizava. Compreendi que a raiz do problema não era idade, quando um velhinho de 92 anos, me pediu que o ensinasse a ler. Porque a aprendizagem só acontece quando faz sentido, quando é “significativa”, perguntei-lhe por que queria aprender.
Olhe, professor Zé, eu já andei na educação de adultos. Mas, lá, só me ensinavam o a, e, i, o, u, o pá, pé, pi. E não me sentia bem, velho que sou, junto com jovens de quinze ou vinte anos. De maneira que… não aprendi.
Insisti na pergunta, ao que ele respondeu:
Sinceramente, professor Zé… eu quero saber ler, porque sou Testemunha de Jeová. O pastor, lá no culto, lê o livro sagrado, mas eu quero saber se ele lê mesmo o que lá está escrito.
Gravei uma “cassete” com o primeiro capítulo da Bíblia. Ele foi escutando e tentando identificar as palavras no livro sagrado. Aprendeu a ler.
Uma senhora de 32 anos disse-me que queria aprender a ler, porque o marido chegava muito tarde a casa:
Olhe. professor Zé. estou desconfiada. Ele diz que trabalha até tarde, mas se eu soubesse ler os papéis, que ele tem no bolso do paletó, eu tirava tudo a limpo.
Dias depois, apareceu-me com um desses papéis. Aprendeu a ler em dois meses. Separou-se no mês seguinte.
A leitura é emancipatória. É leitura de mundo…
Por: José Pacheco