Ponte Nova, 5 de julho de 2041

No final do périplo português, regressei ao Brasil. Fez ontem vinte anos. A minha amiga Edilene pacientemente aguardou o atrasado voo e me conduziu à casa do generoso Arturo. Por lá fiquei, dois dias de hospitalidade, contemplando a feérica São Paulo.

Junto a esta cartinha uma foto da citadina paisagem, que fiz, há vinte anos – vede como está diferente! – no lugar onde preparei a ida à Escola Aberta, antevendo as aprendizagens que por lá viria a fazer.

Não vos descreverei em pormenor a lusa viagem. Dir-vos-ei apenas que me esperançou. E que me mostrou que deveria dar lugar a educadores, que iriam consumar a intenção de há meio século: conceber uma educação para os filhos dos filhos dos nossos filhos.

Por força da Covid, fora “confinado” (era esse o termo usado durante a pandemia) na casa do meu filho. Concluída a quarentena, percorri ruas e praças. A caminhada levou-me até um jardim de Tavira. Sentei-me em frente ao coreto, para descansar o corpo e ressuscitar recordações. Estivera sentado naquele mesmo banquinho, antes de entrar num quartel, onde cumpriria serviço militar de preparação para uma guerra estúpida e inútil, como todas as guerras.

Estivera ali sentado há… cinquenta anos. Dei por mim a pensar em tudo o que vivera em meio século. Mais de metade desse longo tempo fora dedicado a uma escola, a uma comunidade, a um projeto. Já que falamos de tempo, recordo que, ontem, se completaram exatamente oitenta e seis anos e três meses sobre a data de elevação à categoria de vila da terra portuguesa que me adotou e onde esse projeto foi fundado.

Essa data era celebrada com festa e deu nome a uma das principais ruas da vila. Em 1983, compus um roteiro, publicado pela Junta de Freguesia. Nele se explicava a origem da toponímia local. Alguns apontamentos de história completavam o livrinho. Uma estória, que poderia ser contada de modo vário:

Era uma vez… um aglomerado de aldeias conhecidas por “lugares”: Fontaínhas, Bom Nome, Paradela, Santo Honorato, Ponte Nova.

Era uma vez… uma escola, que havia fincado os pés numa comunidade. Criara profundas raízes numa terra dispersa.

Era uma vez… um projeto de reelaboração cultural, unindo aldeias dispersas. E três décadas bastaram para agregar bairrismos, fundar uma ágora na antiga freguesia rural de São Miguel das Aves, situada no bico terráqueo onde os rios Ave e Vizela se abraçam. O nome “Aves” nada tem a ver com pássaros, mas com água, conforme sugere e sema “av”, possivelmente celta. E enlaçadas pelo abraço mesopotâmico de Entre Ambos-os-Rios (Ave e Vizela), as pequenas paróquias de Santo André de Sobrado e de São Lourenço de Romão se lhe juntaram.

Em 1845, a instalação da Fábrica do Rio Vizela – que chegou a ser a maior unidade fabril da Península Ibérica e pioneira indústria de fiação e tecelagem – atraiu operários, dando origem a uma população fabril concentrada e ao aparecimento de fábricas. A opção pela monoindústria engendrou a crise da indústria têxtil, o fim da “fileira” têxtil, quando, no Oriente, era menor o custo da produção.

Em 1976, quando cheguei à Ponte, encontrei um povoado em crise, afetado pelo desemprego, pela poluição, pela corrupção. Muitos avenses haviam emigrado. A um cenário desolador se juntou a impressão que me ficou, ao deparar com um edifício construído no século XIX, arruinado, a que davam o nome de “escola”.

Valeu-nos – ao jovem professor, que eu era, e aos jovens a que me dediquei –

o terreno em torno da “escola”. Nos dias em que a chuva e o vento não o fustigavam, transformávamos o pequeno lago e o bosque numa “sala de aula reinventada”.

 

Por: José Pacheco