Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DLXXXIII)

Alto Paraíso de Goiás, 7 de julho de 2041

Era uma vez… duas escolas, lado a lado com um córrego poluído. Durante décadas, essas escolas deram aula de educação ambiental a alunos moradores de barracos palafitas, precariamente edificados sobre o córrego poluído. Por décadas, o córrego nessa condição permaneceu. Até que uma das escolas alterou o seu modus operandi e os efeitos não se fizeram esperar. Jovens desmotivados motivaram-se, empreenderam freirianas leituras do mundo, o rendimento acadêmico melhorou, a comunidade estreitou laços com a escola, a recuperação do córrego começou. 

O fenômeno gerou curiosidade. O secretário de educação quis saber a origem do inusitado projeto. Apercebeu-se de que, a par dos benefícios, era menor o custo. Membros da comunidade, que acompanhavam o projeto dessa escola, faziam-no gratuitamente, enquanto a secretaria de educação já havia despendido milhões de reais em cursos e consultorias ditas de “qualidade total”, sem que, total ou mesmo parcialmente, a dita qualidade se manifestasse.

No primeiro encontro com a secretaria, um dos educadores formulou uma crítica construtiva e fundamentada ao modo como a formação de professores vinha sendo realizada, por induzir os professores à reprodução de um obsoleto modelo de escola. As técnicas da secretaria responsáveis pelo setor da formação, que na reunião entraram mudas e dela saíram caladas, foram fazer “queixinha” ao seu chefe. O chefe, por sua vez, queixou-se ao secretário. E o senhor secretário mandou suspender o projeto.

Ao longo de mais de quatro décadas, cansei-me de assistir à destruição de projetos, por via de caprichos de governantes, da incompetência de funcionários, da sanha persecutória de burocratas. A falta de conexões com as necessidades e realidades de comunidades não prejudicava apenas o desenvolvimento cognitivo dos jovens – afetava negativamente o exercício da cidadania e sedimentava a submissão a um modelo excludente de escola e de sociedade. 

Houve quem tentasse dar sentido à escola sem sentido. No tempo dos mestres Anísio, Nise, Lauro, Nilde, Freire, o Brasil parecia encaminhado para a melhoria da qualidade da sua educação. Perdeu-se por descaminhos. O conservadorismo pedagógico aliou-se a um poder destituído de saber, para destruir projetos. As medidas de política pública continuavam assentes na crença de ser possível melhorar aprendizagens sem que se processasse a reconfiguração das práticas escolares, sem que surgissem novas construções sociais de aprendizagem. 

O Rubem conduziu-me à descoberta de Anísio, que defendia a necessidade de mudar a escola, para que esta se tornasse um instrumento de mudança social. Levou-me ao encontro da Nise, do Florestan, da Nilde, do Lauro e de um íntimo Freire, sobre cuja integração na ortodoxa universidade o Rubem escreveu um…“não-parecer”. 

Durante o período negro dos governos militares, o Rubem e outros brilhantes pensadores exilaram-se, muitos projetos pereceram. A morte do mestre Rubem significaria um novo exílio? Confessava a minha perplexidade, por assistir à morte da memória do Anísio e por ver Freire sequestrado nos arquivos de teses das universidades, quando a sua obra deveria inspirar o labor dos educadores e das escolas brasileiras. Estranhava não encontrar os livros do Mestre Lauro nas bibliotecas das faculdades de pedagogia. Que Brasil era esse, que ignorava a obra dos seus maiores educadores? Que país era esse, que os mantinha no exílio?  

Hei de contar-vos estórias do tempo em que foram dadas respostas a perguntas de resposta adiada.

 

Por: José Pacheco

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