Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCXVIII)

Azinhal, 25 de novembro de 2041

Na década de setenta, mudei de casa, fui do Porto para Vila das Aves. Quem quisesse participar do projeto de uma comunidade, forçoso seria que nela morasse. 

Não foi fácil a adaptação a uma nova cultura. A comunidade sofria os efeitos da crise da indústria têxtil. Muitas fábricas tinham fechado as portas, o desemprego alastrava. Dependente de uma monoindústria, parte da população emigrara. Aqueles que optaram por ficar matavam saudades dos parentes e amigos, recorrendo ao telefone do Neca do Talho, ou trocando cartas com compadres ausentes. 

Com todos aprendi a ser avense. Me elegeram prefeito. Participei dos seus dramas. Me alegrei com sucessos. Ajudei quem pedisse que lesse as missivas a enviar para a França e para a Alemanha, e “pusesse a pontuação onde precisasse, senhor professor, que a gente anda p’ráqui como nos deitaram ao mundo”. Mas, também, havia quem da “ajuda do senhor professor” prescindisse.  De novo, vos trago excertos de uma carta, prova de que, apesar da escola, havia quem tivesse desenvolvido senso crítico:

“Eu só digo asneiras a ver o telejornal na televisão e a minha patroa até me disse que eu devia ter mais tento na língua e que eu num tinha a inducação que devia ter mas eu dei-lhe a inducação que ela já nem cheirou a novela nem o resto daquele concurso do elo mais fraco e ela que é uma vingativa até me virou as costas na cama mas até nem me importo que isto da desobriga é como os ranquingues que a gente quando é novo começa nos topes da qualidade do serviço prestado e vai-se a ver não tarda já a gente está a apontar para o prego e a dar com o martelo no dedo mindinho mas por falar no concurso eu até dei por mim a pensar que os ranquingues até que poderiam servir para alguma coisa pois o que é que a gente há-de fazer se há escolas que num ano estão em cima e no outro estão em baixo e eu acho que o melhor é o senhor ministro fazer como aquela senhora do concurso e fechar as escolas que são o elo mais fraco e mandar os alunos para as escolas que estão no ciminho da listas e eles ficavam logo espertos e os ranquingues assim já serviam para alguma coisa e o ministério era assim a modos que um extintor porque se já mandou extinguir outras coisas e por aqui me fico querido compadre que a clarinda já ressona e eu não quero estragar uma noite de sossego”.

Piaget escrevera que as ciências sociais tinham “o triste privilégio de tratar de matérias em que todos se julgavam competentes”, mas o compadre sabia mais de avaliação do que muitos “especialistas na matéria”. 

Esse tempo não era propício à reflexão fecunda. A discussão do essencial era preterida e assistíamos à exibição do acessório. Os jornais estavam enxameados de tolices subscritas por políticos que se atreviam a discorrer sobre Educação, ou por jornalistas com aspirações a opinion makers. 

Com rankings ou sem rankings, a avaliação das escolas não poderia continuar a ser um entretenimento de jornalistas ignorantes de elementares saberes das ciências da educação – ciências “ocultas” para aqueles que, boçal e impunemente, as criticavam, ou nelas se aventuravam como cegos no meio de um tiroteio. De nada adiantava querer transformar as ciências da educação em bodes expiatórios dos males que afetavam o sistema, porque essas ciências apenas ornamentavam decretos, não logravam entrar nas escolas. 

As preocupações com os rankings eram migalhas, se comparadas aos problemas que, a montante do sistema, condicionavam a aprendizagem, como o drama dos que abandonavam ou não completavam o ensino médio, entrando sem diploma no dito “mercado de trabalho”. 

De avaliação vos falarei.

 

Por: José Pacheco

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