Laranjeiro, 27 de novembro de 2041
Fui ao Rio, para conhecer in loco o projeto GENTE (acrônimo de Ginásio Experimental de Novas Tecnologias Educacionais). Fi-lo com a mesma intenção (a de querer aprender e partilhar), que me conduzia, sempre que visitava escolas, que, cada qual do seu modo, produziam mudança e inovação.
Visitei a Escola Municipal André Urani, na Rocinha, livre da influência de uma média, que exultava com novidades, que presumiam serem inovações, como: escola com tablets, sem salas, turmas ou séries, sem paredes e quadros-negros, sem carteiras enfileiradas, sem lousas, mesas individuais e professores tradicionais.
Não era nesse lado exótico do projeto que residia o pioneirismo do GENTE, mas na ousadia de uma secretaria de educação, que, consciente dos trágicos efeitos de um modelo de escola falido, operava uma significativa rutura paradigmática. Só por isso, a Secretaria de Educação do Rio já merecia a minha maior admiração. Estava abrindo um precedente, talvez um tempo novo nos rumos que a educação brasileira percorria e que o amigo Rafael assim descreveu:
“Salas de aula onde um professor passa o conteúdo da mesma forma para cada um deles podem estar com os dias contados. É urgente repensar e recriar discursos, metáforas e pedagogia de alma brasileira.”
Refletia sobre esse verdadeiro marco histórico, enquanto viajava do Rio para Sampa, acompanhado do meu amigo Fábio, voluntário do Projeto Âncora. O meu amigo profundamente se comoveu, durante o diálogo com os professores do GENTE, quando se referiu às crianças, que ele ajudava a serem pessoas. Pessoas como o Fábio se doavam e se comoviam. E a sua práxis era reflexo dos seus valores.Qual o modelo de pessoa e de sociedade que subjazia aos projetos como o GENTE? Quais os valores por elas veiculados e os princípios que orientavam as decisões?
As novas tecnologias conferiam um tom de modernidade ao projeto, mas a diretora Marta foi objetiva na sua intervenção:
“Não se trata apenas da introdução de novas tecnologias na escola”.
Não bastaria mudar o quadro-negro pelo monitor digital. E, se as escolas entendessem isso, poderiamo migrar de um modelo de estudantes-papagaios repetidores de lições para um ambiente onde ocorreria construção de saberes.
Eu acreditava que os professores do GENTE isso entenderiam e ajudariam os seus jovens alunos a reconstruir uma comunidade de aprendizagem chamada Rocinha. E a usar as tecnologias para que isso acontecesse criticamente.
Era disso mesmo que se tratava: de utilizar as novas tecnologias ao serviço da humanização da escola, na relação pessoa a pessoa, no estabelecimento de vínculos impossíveis de estabelecer com uma máquina, dentro e fora do edifício-escola.
“Estrategicamente” situado no interface entre a opulência da Gávea e as carências da Rocinha, o GENTE poderia contribuir para um re-ligare essencial, poderia transformar-se numa comunidade de aprendizagem, que lograsse esbater a pesada herança de séculos de difícil convivência entre alguns que tinham tudo com muitos que nada tinham. Através de novas práticas sociais, até talvez pudesse contribuir com a sua parte para a redução do vergonhoso índice de desigualdade social que o Brasil ostentava e para mitigar a crise ética e moral que o país atravessava.
Uma muito conhecida afirmação do Mestre Freire no dizia que não era a escola que mudaria a sociedade. Mas, que mudaria as pessoas e as pessoas mudariam a sociedade. Só precisaríamos de pessoas e parecia que, naquele tempo, tínhamos GENTE” feita para brilhar e não para morrer de fome”.
Teríamos?
Por: José Pacheco
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